ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXIII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXIII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA(XXIII)

Makhmud Darwish

محمود درويش

Makhmud Darwisch não é só o maior dos poetas palestinos contemporâneos embora, no sentir de muitos críticos um dos maiores poetas árabes actuais, senão o maior, o que quer dizer um dos maiores poetas do mundo e foi uma lenda viva. Nado em al-Birgwa, pequena aldeia da Galileia a nove quilômetros de Acre, o dia 13 de Março de 1942. De família muito humilde e sem nenhum antecedente literário23 (seu pai apenas sabia ler e sua mãe era analfabeta) que cultivava a terra numa economia de auto-subsistência. Quando em 1948 aconteceu a “grande tragédia”, ele junto a seus pais, tem de abandonar o seu país para fugir para o Líbano, de primeiras na aldeia de Iezzine e depois em Damur. Convertera-se assim em laalhi (refugiado).

Uns anos permaneceram ele e a sua família no Líbano. Quando voltar com um seu tio para a Palestina não achará já a sua aldeia e morada, Birwa fora destruída totalmente até os cimentos, como Kafr Kassem, cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro de 1956. A entrada dele no seu país e a instalação na aldeia de Dair al-Asad de forma clandestina fez dele, paradoxalmente, um mutasalhil (infiltrado), pois durante o tempo que permanecera refugiado no Líbano os sionistas tinham elaborado uns censos nos que nem ele nem o resto da sua família figuravam, e polo* tanto não tinham direito algum para permanecerem no Estado Israelense, isto é, na sua própria pátria.

Depois de obter o diploma de estudos secundários dedica-se como mestre na aldeia de al-Iadida ao mesmo tempo em que colabora no jornal al-Ittihad e nas revistas al-Iadir e al-Fair, todas elas publicadas em árabe polo* Partido Comunista, organização na que militava e ao mesmo tempo, trava uma amizade muito funda com o escritor palestino Emil Tuma24 já que mora na casa dele durante algum tempo ao carecer Makhmud Darwish de meios econômicos.

Em 1960 publica o seu primeiro livro de poemas: Asafir bila ainiha (Pássaros sem azas) e em 1961 sofre o seu primeiro arresto, permanecendo prisioneiro durante duas semanas. Quatro anos depois sairá ao lume o seu segundo poemário, Awraq az-zaitun (Folhas de oliveira). Nele o poema mais célebre é Bilhete de identidade, traduzido nesta antologia. Influenciado pola* poesia do Mahyar25 e dos grandes criadores, o sírio Nizar Qabbani, dos iraquianos Badr Shakir al-Sayyab e Abd al-Wahhab al-Bayati e dos egipcianos Abdel Muti Hiyazi e Salah Abdel Sabur, em 1966 dará ao lume Ashiq min Filistin (Namorado de Palestina). 1967 olha a saída o livro Fim da noite (Ajar al-lail) onde as influências são já as do poeta sírio Muhammad al-Magut, do turco Nazim Hikmet, do francês Louis Aragon, do chileno Pablo Neruda, do espanhol Garcia Lorca e, sobretudo, de Thomas Stearns Eliot.

Em 1970 viaja com uma delegação das juventudes comunistas por vários países socialistas europeus e à volta, decide ficar em Egipto. A sua estadia no país do Nilo faz virar o rumo da sua obra fazendo dela um encaixe de complexidade técnica e duma grande originalidade metafórica. Ao seguinte ano instala-se em Beirute onde dirige duas das mais importantes revistas árabes: Shuún filistiniyya e al-Karmel, ademais do Centro de Estudos Palestinos. Na cidade libanesa vai ficar até 1982 em que, após a invasão israelense tem de partir como o resto dos combatentes e a cúpula da OLP para a Tunísia, depois para a França (Paris) e finalmente Ammám. Da sua etapa libanesa são de salientar: Muhawala raqm 7 (Ensaio número 7), Tilka suratuha wa hadka intihar al-ashiq (Esta é a sua imagem e este o suicídio do namorado). Da sua etapa após 1982 são importantes: Madih az-zilh al-´ali (Elogio da alta sombra) e Wardum aqal (Menos rosas).

Em 1972 publica Uhibbuk aw la uhibbuk (amar-te ou não amar-te).

Desde 1973 exerce na OLP labores do mais alto nível de representação cultural e diplomática. Redigiu para o Conselho Nacional Palestino reunido em Argélia, junto com Edward W. Said e Elias Khoury a Declaração de Soberania, onde as suas resoluções estipulavam a criação na Palestina histórica de dous Estados, um árabe e o outro judeu cuja coexistência garantiria a soberania de ambos os dous povos. Em 1993 rompeu com a linha que Arafat representava e os consequentes acordos de Oslo.

Nos anos noventa inicia uma poesia muito mais épica, sem deixar de ser lírica, assim vão sair livros como: Ahada ashara kawkaban (onze astros), Limadha taraka l-hisan wahidan (Porque deixaste o cavalo só?), Sharir al-gariba (a cama da estrangeira) e Yidariyya (Mural).

Desde 1996 reside em Ramalah onde dirige a prestigiosa revista al-Karmel. Durante o assédio à cidade polo* exército sionista no ano 2002 os arquivos deste referente palestino foram destruídos ou direitamente apropriados indevidamente. Tem recebido numerosos prémios internacionais, entre outros: Prémio Lotus da União dos escritores Afro-asiáticos (1969); Lenine da Paz (União Soviética, 1983), Medalha da ordem do mérito às artes e às letras (França, 1993) o Prémio da liberdade cultural da Fundação Lannan (2002) Cultural Freedom Price, em 2001 e o Príncipe Claus de Holanda, em 2004.

O seu nome tinha ressoado muitas vezes como candidato para o Nobel de Literatura.

O grande poeta morreu em Houston em 9 de agosto de 2008 com sessenta e sete anos de anos após uma cirurgia a coração aberto. Com ele se apagou a estrela mais reluzente da poesia árabe dos nossos dias. A morte venceu o corpo do enorme poeta e a beleza sente a sua ausência, mas perdurará enquanto nos corações da humanidade palpite, mesmo depois de ter conquistado a liberdade, a democracia e a justiça social.

Bilhete de Identidade


Escreve
que sou árabe,
o número do meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;
que tenho oito filhos

e o nono virá logo depois do verão.
vais te irritar por acaso?

Registra-me:

sou árabe

e que com os meus companheiros de infortúnio
trabalho numa pedreira.
Para meus oito filhos arranco
das rochas
a côdea do pão,
as roupas e os livros.
Eu não venho mendigar esmolas à tua porta,
nem me curvo

disnte das lajes da tua porta.
Por acaso vais te incomodar por isso?

Escreve
que sou árabe
com um nome vulgar,
que sofro num país
no qual tudo quanto há
ferve de cólera.
As minhas carcaças,
afundaram antes do nascimento
dos tempos,
antes da eclosão das eras,
antes dos ciprestes e as oliveiras,
antes da primeira das ervas.
Meu pai…
vem da família do arado,
não de nobres senhores de Nujub26.
O meu avô era um labrego
sem árvore genealógica

Ensinou-me os movimentos do sol
antes da leitura.
A minha casa é uma cabana lavradora
feita de canas e ramagens,

Estás satisfeito com a minha condição?
Tenho um nome muito comum, sem alcunha.

e

Escreve
que sou árabe,
cabelo negro
e olhos castanhos;
que, para maiores detalhes,
um kufilha27 na cabeça seguro por uma baraça28,
que as palmas das minhas mãos, duras como rocha,
arranham as mãos que apertam.
Que gosto acima de tudo do azeite de oliva e do tomilho.
O meu endereço:
uma aldeia perdida, remota,
com ruas sem nome,
e todos os seus homens

estão nas canteiras ou no campo.

Ficarás irritado se calhar?

Escreve
que sou árabe;
que tu roubaste os vinhedos de meus avôs
e a terra que arava
com meus filhos.
Que só nos deixaste

a nós e aos nossos descendentes
este cascalho.
Teu governo não vai também – como se diz –
apoderar-se dele?

Vamos!, escreve, então…

Escreve
bem no alto da primeira página:
que não odeio ninguém,
que nada roubo
mas, se um dia me obrigarem a passar fame*,
devorarei a carne do meu espoliador.
E cuidado…fica bem atento, então!…
à minha fame*,
e à minha ira!

https://ramallah.news/thumb.php?src=uploads//images/2409aa89fda4f505ff114b07dd62b4bb.jpg&w=780&h=450

23 Alguns dos seus irmãos têm-se convertido em escritores de sucesso: Ahmad é ensaísta, Zaki escreve narrações curtas e Ramzi também é poeta.

24 Emile Touma (em árabe: ميل توما, de16/03/1919 – 27 de agosto de 1985), foi um historiador político árabe palestino, jornalista e teórico. Em 1942, junto com o Dr. Hidar Abdel-Shafii, Mukhlis Amer, Habibi e Mufid Nashashibi foi fundador da Liga de Libertação Nacional Palestina. Escreveu 15 livros e centos de artigos sobre política, história e cultura.

25 Yubran Jalil Yubran, Mikha´il Nu´ayma, Iliya Abu-Madi, Nasib`Arida são os poetas que conformam o que se chama al-Rabita qalamiyya (A Liga Literária) constituía em Nova Iorque na tarde de 20 de Abril de 1920 em casa do poeta Yubran Jalil Yubran (Vede: Cuatro autores de la “Liga Literária, Rosa-Isabel Martínez Lillo, Ed. Cantarabia – Deartamento de Estudios Árabes e Islámicos y Estudios Orientales. U.A.M. – Proyecto Mahŷar / Al-Andalus, Madrid, 1994)

26Célebre família nobre da Península Arábiga.

27 Coifa feita de algodão, linho ou lã

28 Em árabe: عقال, ʿiqāl

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXII)

Tawfiq Zayyadd

توفيق زيّاد

No toro duma oliveira

Porque no teço l20,

porque diário sou objecto

de mandatos de detenço

e a minha casa alvo das visitas da polícia

para revistar e «limpar»,

porque nem uma folha de papel posso mercar,

gravarei os meus segredos todos

numa oliveira

no curral da minha casa.

Gravarei a minha história

e os capítulos da tragédia

e as minhas queixas

no pomar das laranjeiras e nos sepulcros dos meus mortos.

Gravarei todo o fel que provei

e que haverá riscar uma décima do mel que degustaremos.

Gravarei o número do recibo

da nossa terra espoliada

e o lugar da minha aldeia e os seus lindes

e as casas dinamitadas

e as minhas derrubadas árvores

e cada florinha do campo esmagada

e os nomes dos que foram peritos

em consumir os meus nervos e o meu alento,

e o nome das prisões

e cada modelo de algemas

que manietaram as minhas mãos

e o historial dos meus guardiões

e cada ofensa que me atiraram na cara.

Gravarei: «Kafr Kassem21, eu não te esqueço».

Gravarei: «Deir Iaseem22, a tua lembrança enraizou em mim».

Gravarei: «Chegamos ao cimo do drama,

a nossa tragédia roeu-nos

mas

temos tocado o cimo.»

Gravarei todo quanto o sol me conte

e o que me sussurra a lua

e o que me conta a calandra

beira do poço que os amantes abandonaram.

Para lembrar

permanecerei, sem repouso, gravando

todos os capítulos da minha tragédia

e os períodos todos do desastre

de cabo a rabo.

Acolá, numa oliveira

no curral da minha casa.

Porque eu não fio lã
Porque eu estou exposto cada dia
A uma ordem de prisão
E minha casa à mercê
De visitas policiais
De averguaçãoes
Das operações de limpeza
Porque não me é possível
Comprar papel
Gravarei tudo o que me acontece
Gravarei todos os meus segredos
Numa oliveira
No pátio
De meu lar.
Gravarei minha história
E o retábulo de meu drama
E meus suspiros
No meu jardim
E nas tumbas dos meus mortos
E gravarei
Todas as amarguras
Que um décimo das doçuras que virão apagará.

Gravarei o número
De cada cavalaria despojada de nossa terra a
localização de minha aldeia, os seus limites
As casas dinamitadas
As minhas árvores arrancadas
Cada florzinha esmagada
Os nomes dos que se deleitaram
Em descompor meus nervos e minha respiração
Os nomes das prisão
As marcas de todas as algemas
Fechadas em meus punhos
As botas de meus carcereiros
Cada juramento
Atirado na minha cabeça

E gravarei
Kafr Kassem
Eu não o esquecerei
E gravarei
Deir Yassin
Tua lembrança me tortura
E gravarei
Atingimos o cume da tragédia
Gravarei tudo o que o sol me mostra
A lua me murmura
O que me conta a rola
Nos poços
Dos quais os namorados se exilaram
Para que eu lembre
Ficarei de pé para gravar
Todo o retábulo de meu drama
E todas as etapas de derrota
Do infinitamente pequeno
Ao infintimente grande
Sobre um tronco de oliveira
No pátio
de meu lar.

 

 

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20 Evoca o poeta madame Lafarge quem, em 1789, tecia os nomes dos inimigos do povo francês para que fossem castigados quando a revolução triunfasse.

21Aldeia palestina que os sionistas arrasaram em 29 de Outubro de 1956 assassinando fria e brutalmente 51 pessoas, delas 12 mulheres, 10 moçinhos entre os catorze e os dezesseis anos e 7 meninhos entre os oito e os treze anos. Para o outro ano, o jornal israelense Haaretz publicou na sua edição de 11 de Abril que: “Onze oficiais e soldados, que foram julgados pola* matança, receberam um incremento de salário do cinqüenta per cento, enquanto passeavam rindo polo meio dos assistentes ao juízo. Eram tratados como heróis, não como criminosos.” Sobre este espantoso acontecimento o cineasta libanês Borham Alauié fizera um filme, “Kafr Kassem”, apresentada com resultado feliz em Paris em Maio de 1975 onde refere com exactidão o massacre. Ver: Palestina. Tierra de luz y sombra, Mohamed Safa, Edição do autor, Vigo, 1991, pág. 58, e Víctimas de ayer, verdugos de hoy, Juan Larra, Editorial Fundamentos, Madrid, 1981, págs. 33.

Não foi este crime o único. “Em Ain Zeitun –história Juan Larra- os agentes do Irgum imitaram de perfeição absoluta aos SS: juntaram e fecharam os moradores na mesquita, prenderam-lhe lume e bombardearom-na com a gente dentro”. (op.cit., págs. 33).

22 Ver nota n.º 11 da pressente antologia.

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXI), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXI), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXI)

Tawfiq Zayyadd

توفيق زيّاد

Cantiga de júbilo polos* que se negam a morrer e render-se

Cameleiro,

saúde por mim a Amam,

beije a ferida e abraze às suas gentes valorosas,

beije a metralhadora nas suas mos

e a trincheira gloriosa

e as praças

e as paredes,

e grite-lhes:

a tua cabeça ergueita é um milagre,

que viva o leite com o que te amamentaste,

ó Amam!

Segue o teu caminho,

ó cidade crucificada!

Que desprezaste inclinar-te um instante

perante a espada e o poder.

Segue o teu caminho, ó Amam nosso!

E amanh chantaremos a nossa bandeira de sangue

Em Basmám15.

Cameleiro,

berre nas duas ourelas.

Diga aos meus que o pranto cegou os meus olhos.

Os punhais da opresso

no meu coraço e na minha garganta.

Agarre as palmas das minhas mos

e venda-me e compre-me um olho.

Cameleiro,

grite nas duas ourelas.

Em duas se quebrou a espada na minha mo.

Mas acometo-as por cima das minhas cruzes.

Apanhe o meu coraço e a minha alma e faça entrega de duas espadas.

Cameleiro,

empreste-me, ainda que só seja, uma lágrima

que no tenho já para chorar meus sete irmos.

Deles me despedi o dia do desastre

e no volvi olhá-los

até chegar a nova das suas mortes

na noite da sexta-feira.

Cameleiro,

o meu kufilha16 está num pingo.

Mas, aonde vai o seu de veludo?

É pesado o meu carregamento,

mas igual ao aceiro* fui criado

para aturá-lo.

Cameleiro,

saúde por mim a Salt17.

Semeada de morte trás morte está a sua terra,

e se passar diante duma crucificada despida

com um manto cobra o seu corpo, que a minha irm é.

Cameleiro,

saúde por mim a Irbid18.

As suas metralhadoras no param de atroar nas barricadas.

Leve-lhe um ramalhete de rosas da nossa terra

e diga-lhe que no nos resta mais que resistir.

Cameleiro,

saúde por mim a Az-zarqa19.

A cabeça do meu irmo segaram na sua praça.

Diga-lhe que a história tem a sua lógica

e machucará o sólio real

e o nosso povo subsistirá

(ninguém se faça ilusões)

Cameleiro,

saúde por mim a Jerusalém

e diga-lhe: Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém!

que a minha cabeça caia.

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15 Nome do palácio real de Aman.

16 Pano tradicional árabe-oriental para se cobrir a cabeça

17 Cidade da Jordânia no noroeste de Amam.

18 Cidade no norte da Jordânia, perto da raia com a Síria.

19 Cidade da Jordânia ao norte de Amam.

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XX)

Tawfiq Zayyadd

توفيق زيّاد

Quem haveria chegar a ser um grande poeta e militante comunista nasceu em 1929 em Nazaré (Annaçera). Em Moscovo estudou literatura russa traduzindo lá vários autores. Tomando parte na luita* polo* direito dos palestinos à sua terra e os direitos espezinhados polo* estado israelense num vergonhoso e insultante estado de apartheid, filia-se desde muito novo no Partido Comunista (Rakah).

Em Dezembro de 1975 sai eleito vereador-mor da cidade de Nazaré. O estado sionista fizera tudo o que tiver na sua mão para parar a eleição dum membro do Rakah, desde ameaças à população, oferecimentos à gente árabe de retorno de alguma terra se Zayyad não fosse eleito, ameaças veladas de atentar contra a sua vida, mesmo o ministro sionista do Interior, Moshe Barain, diz: “A população não deve imaginar que o estado de Israel permitiria que a administração da cidade caísse nas mãos de um agente admitido de Arafat”. As ameaças e as promessas caíram no vazio. Nazaré não tivera jamais nenhuma indústria, nem biblioteca pública, nem serviços sociais. Um muito dilatado tempo onde o “programa de desenvolvimento” sionista significou para o povo árabe mais confiscações das suas terras e a construção, em terras extraidas à população originária, duma cidade só para judeus na Galiléia superior. Muitos longos anos de repressão e cooperação dos líderes árabes locais leais a Israel impediram qualquer protesto dos árabes de Israel, explodiram naquele momento. Das janelas das suas casas muitos sonhavam voltar possuir a terra que cultivaram uma vez seus avôs, nem serem empregados como proletários em terras que tinham pertencido às suas famílias por gerações. Estavam prontos para resistir.

Eleito deputado na Knesset (Parlamento Israelense), tem afirmado da cidade da que foi máximo vereador: “Se Jesus vivesse hoje, não encontraria lugar para instalar a sua carpintaria”. Em 1976 liderou o “Dia da Terra”, não obstante a oposição dos Comitês dos notáveis locais.

Toda a sua obra está dominada por uma implicação inspirada polo* pensamento marxista. A sua rebeldia contra a injustiça e o desenraizamento da terra dos antepassados faz parte impartível da sua obra. Orgulhoso de contribuir para a salvaguarda dum rico patrimônio cultural, insere nos seus poemas cantigas populares, provérbios, legendas, contos do folclore palestino para não perder uma tradição em perigo pola* dispersão do seu povo, embora compor impecáveis poemas redigidos num límpeço e harmonioso árabe clássico.

Muitos dos seus poemas têm passado a integrar a memória popular ao serem musicados e cantados, tanto por artistas palestinos como do resto da arabofonia. O seu derradeiro poema, “Adnan wa Adnan Akhar“, refere o seu intenso amor pola* Palestina e resulta uma emotiva homenagem os rapazinhos da intifada de 1994. Pólo* seu labor em prol da cultura e as artes recebeu em 1990 a medalha al-Quds.

O grande poeta morreu por conseqüência dum funesto acidente de automóvel em 6 de Julho de 1994.

Em Julho de 1996 o ministério de Educação e Cultura palestino, em honra dele, estabeleceu um prémio com o seu nome para obras em crítica poética e literária.

O impossível


Mil vezes mais fácil há-vos ser
passar um elefante polo* furado* duma agulha,
pescar um peixe torrado numa galáxia,

abrir sulcos no mar
e fazer falar um crocodilo,
mil vezes mais fácil há-vos ser
do que, ao perseguir-nos, destruir
o fulgor da nossa ideia
ou um palmo afastar-nos do caminho que escolhemos.

Se diria que somos vinte prodígios
em Lidda, em Ramlah, em Galileia.
Aqui permaneceremos
sobre os vossos peitos como uma muralha,
nas vossas gargantas como um pedaço de vidro…
como o espinho dum cacto
e nos vossos olhos como tempestade de fogo.
Se diria que somos vinte prodígios

em Lidda, em Ramlah, em Galiléia.

Aqui persistiremos

contra os vossos peitos como uma muralha,

lavando pratos das vossas tabernas,

enchendo os copos dos senhores,

esfregando chãos das vossas lôbregas cozinhas,

para vos arrancar um anaco* de pão para os nossos filhos

dos vossos cárdeos caninos.

Aqui persistiremos,

contra os peitos vossos como um muro,

famintos, sedentos, desafiando-vos,

cantando versos,

enchendo as ruas com a nossa cólera e o nosso protesto,
cumulando de orgulho as cadeias

e fazendo com que os nossos filhos, sem parar,

engendrem gerações vingadoras.

Como se fôssemos vinte prodígios
em Lidda, em Ramlah, em Galileia…

Aqui permaneceremos.

Ide e bebei o mar.
Vigiando a sombra da nossa figueira

e da nossa oliveira,

semeando as nossas idéias,

como o fermento na massa do pão.

Com o frio do gelo nos nossos nervos

e um inferno vermelho nos nossos corações.

Se tivermos sede, pedras espremeremos para fartar a nossa sede.

Se famintos, pó morderemos para saciar a nossa a fame*.Mas não nos moveremos.
Não traímos o nosso limpo sangue.
Aqui temos um passado,
um presente,
um futuro.

Como se fôssemos vinte prodígios
em Lidda, em Ramlah, em Galileia.
Ó viva raiz nossa, afunda-te bem.
Mergulha até ao fundo.
Melhor será ao opressor
tomar a fazer as contas
antes que o enredo se desfaça.
Toda a acção tem resposta.

Lede…
Lede o que o Livro diz…

Como se fôssemos vinte prodígios.
Em Lidda, em Ramlah, em Galileia.

http://www.al-ayyam.ps/files/image/thumb/20173103010227.jpg

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XIX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XIX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XIX)

Samih al-Qassim

سميح القاسم

Diário de Job

Por séculos

a gente dissera

que há ventos,

que há calhaus

e há, disseram,

uma semente

da que brota uma alma no rochedo

abrindo um caminho ao sol.

Que é o que acontecerá se acuitelo* com o meu punhal

a semente, a rocha e o sol?

Dizem que há ventos

e seixos

e raízes.

E que o desespero não será destruído!


Cantigas dos caminhos


Aprendi a não odiar
durante séculos,
mas me obrigaram
a brandir uma seta permanente
diante do rosto duma píton,
a empunhar uma espada de fogo
diante do rosto do Baal demente,
a transformar-me no Elias do século vinte.

Aprendi
durante séculos
a não proferir heresias,
hoje açoito os deuses
que estavam no meu coração,
os deuses que venderam o meu povo
no século vinte.

Aprendi
durante séculos
a não fechar a porta diante dos hóspedes,
mas um dia
abri os olhos
e vi roubadas as minhas ovelhas,
enforcada a companheira da minha vida
e nas costas de meu filho
sulcos de feridas.
Reconheci a traição dos hóspedes então.
Semeei meu umbral de minas e punhais
e jurei, no nome das cicatrizes,
que nenhum hóspede ultrapassaria meu alpendre
no século vinte.

Durante séculos
não fui mais do que poeta,
assíduo frequentador dos círculos místicos,
mas me transformei
num vulcão em revolta
no século vinte!

 

 

 

 

Final da disputa com um carcereiro

Da ínfima janela da minha pequena cela

enxergo árvores que me sorriem,

e terraços que a minha gente enche,

e janelas que choram e rezam

por mim.

Desde a janelinha da minha pequena cela

observo a tua imensa prisão.

Ainda permanece


O sangue de meus mais remotos antepassados
ainda corre em mim
e escuito* sempre
o rinchar* dos corcéis e o entrechocar das espadas.
Levo um sol na minha mão direita
e repito
nas encruzilhadas da noite
o canto da dor.

 

 

 

 

 

Bilhete para a viagem

Quando algum dia seja assassinado

no meu bolso achará o criminal

uns bilhetes de viagem:

Um para ir à paz,

para viajar aos campos e à chuva

e outro, para a consciência da humanidade.

Rogo-te que não desprezes os bilhetes,

meu caro assassino,

suplico-te que viajes…

Os meninhos de Rafah

No cantão da rua

e nos arrabaldes da cidade

meninhos com vastas histórias

empilhavam rimas de livros,

marcos de quadros e estacas de tendas

para construir uma barricada

que fechasse o passo à Escuridade.

Para todos os elegantes homens da ONU

Cavaleiros de todos os cantos

com gravatas a pleno meio-dia

e excitantes polêmicas!

Que é o que pintais, dizei-me, neste tempo?

http://palestine.assafir.com/Medias/Photos/2015/956×643/9f0787e4-e593-4cc8-b80e-951a55325add.jpg

(Pé da foto: O poeta Samif al-Qassim junto com outro poeta – desta vez genial que de aqui a pouco hei postar por extenso nesta Antologia, Makhmud Darwish)