ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXII)

Tawfiq Zayyadd

توفيق زيّاد

No toro duma oliveira

Porque no teço l20,

porque diário sou objecto

de mandatos de detenço

e a minha casa alvo das visitas da polícia

para revistar e «limpar»,

porque nem uma folha de papel posso mercar,

gravarei os meus segredos todos

numa oliveira

no curral da minha casa.

Gravarei a minha história

e os capítulos da tragédia

e as minhas queixas

no pomar das laranjeiras e nos sepulcros dos meus mortos.

Gravarei todo o fel que provei

e que haverá riscar uma décima do mel que degustaremos.

Gravarei o número do recibo

da nossa terra espoliada

e o lugar da minha aldeia e os seus lindes

e as casas dinamitadas

e as minhas derrubadas árvores

e cada florinha do campo esmagada

e os nomes dos que foram peritos

em consumir os meus nervos e o meu alento,

e o nome das prisões

e cada modelo de algemas

que manietaram as minhas mãos

e o historial dos meus guardiões

e cada ofensa que me atiraram na cara.

Gravarei: «Kafr Kassem21, eu não te esqueço».

Gravarei: «Deir Iaseem22, a tua lembrança enraizou em mim».

Gravarei: «Chegamos ao cimo do drama,

a nossa tragédia roeu-nos

mas

temos tocado o cimo.»

Gravarei todo quanto o sol me conte

e o que me sussurra a lua

e o que me conta a calandra

beira do poço que os amantes abandonaram.

Para lembrar

permanecerei, sem repouso, gravando

todos os capítulos da minha tragédia

e os períodos todos do desastre

de cabo a rabo.

Acolá, numa oliveira

no curral da minha casa.

Porque eu não fio lã
Porque eu estou exposto cada dia
A uma ordem de prisão
E minha casa à mercê
De visitas policiais
De averguaçãoes
Das operações de limpeza
Porque não me é possível
Comprar papel
Gravarei tudo o que me acontece
Gravarei todos os meus segredos
Numa oliveira
No pátio
De meu lar.
Gravarei minha história
E o retábulo de meu drama
E meus suspiros
No meu jardim
E nas tumbas dos meus mortos
E gravarei
Todas as amarguras
Que um décimo das doçuras que virão apagará.

Gravarei o número
De cada cavalaria despojada de nossa terra a
localização de minha aldeia, os seus limites
As casas dinamitadas
As minhas árvores arrancadas
Cada florzinha esmagada
Os nomes dos que se deleitaram
Em descompor meus nervos e minha respiração
Os nomes das prisão
As marcas de todas as algemas
Fechadas em meus punhos
As botas de meus carcereiros
Cada juramento
Atirado na minha cabeça

E gravarei
Kafr Kassem
Eu não o esquecerei
E gravarei
Deir Yassin
Tua lembrança me tortura
E gravarei
Atingimos o cume da tragédia
Gravarei tudo o que o sol me mostra
A lua me murmura
O que me conta a rola
Nos poços
Dos quais os namorados se exilaram
Para que eu lembre
Ficarei de pé para gravar
Todo o retábulo de meu drama
E todas as etapas de derrota
Do infinitamente pequeno
Ao infintimente grande
Sobre um tronco de oliveira
No pátio
de meu lar.

 

 

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20 Evoca o poeta madame Lafarge quem, em 1789, tecia os nomes dos inimigos do povo francês para que fossem castigados quando a revolução triunfasse.

21Aldeia palestina que os sionistas arrasaram em 29 de Outubro de 1956 assassinando fria e brutalmente 51 pessoas, delas 12 mulheres, 10 moçinhos entre os catorze e os dezesseis anos e 7 meninhos entre os oito e os treze anos. Para o outro ano, o jornal israelense Haaretz publicou na sua edição de 11 de Abril que: “Onze oficiais e soldados, que foram julgados pola* matança, receberam um incremento de salário do cinqüenta per cento, enquanto passeavam rindo polo meio dos assistentes ao juízo. Eram tratados como heróis, não como criminosos.” Sobre este espantoso acontecimento o cineasta libanês Borham Alauié fizera um filme, “Kafr Kassem”, apresentada com resultado feliz em Paris em Maio de 1975 onde refere com exactidão o massacre. Ver: Palestina. Tierra de luz y sombra, Mohamed Safa, Edição do autor, Vigo, 1991, pág. 58, e Víctimas de ayer, verdugos de hoy, Juan Larra, Editorial Fundamentos, Madrid, 1981, págs. 33.

Não foi este crime o único. “Em Ain Zeitun –história Juan Larra- os agentes do Irgum imitaram de perfeição absoluta aos SS: juntaram e fecharam os moradores na mesquita, prenderam-lhe lume e bombardearom-na com a gente dentro”. (op.cit., págs. 33).

22 Ver nota n.º 11 da pressente antologia.