DERRADEIRA VONTADE, por André Da Ponte

DERRADEIRA VONTADE, por André Da Ponte

NA MEMÓRIA DE JOSEFA CABADO LOPEZ (A REQUECHA E A REGUEIFEIRA DO CANDO – SÃO SALVADOR DE PARGA), prima coirmã de meu defunto pai que faleceu em 31 de março de 2018.

Com saudades e sentindo muito a sua ausência.

DERRADEIRA VONTADE

Deixai-me, bem seja breve,
um pedaço de lembrança
num floco de branca neve
quando eu morrer. Caia leve,
sossegada, quase mansa;
ouça-a eu como descansa
no colo da minha Terra.

E sinta que a selha berra
(cantava quando eu criança)
velhas cantigas da serra.

E recender novamente
no deleite da verdura
a nossa fala mais pura
nos lábios da minha gente.

E os risos da rapazada,
e da fonte que escorrega
nesta paisagem calada,
e o curto vó duma pega.

E o fumo duma lareira
sair do turvo das lousas.
Ressentir todas as cousas
tal qual fosse a vez primeira.

Apenas isto requeiro,
só esta ânsia procuro:
dormir sono derradeiro
numa Pátria com futuro.…

…………………………………..

Na manhã mais sonolenta
perceba na terra algente
cair a neve mui lenta…
lenta… lenta… lentamente…

…………………………………..
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ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXII), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXII)

Makhmud Sobh al-Kurdi

مخمود صبح الكردي

Onde voam as águias ninguém em Palestina esquecerá Gassán35

Lim nos jornais que a miúdo de ti falavam

e disse para mim: mintem os jornais igual que sempre.

Como havia acreditar que se atrevera a morte, disfarçada de artefacto explosivo,

a te insinar o seu terrível rosto cara a cara, em pleno dia maldito.

E como, vicinho da minha infância, companheiro de jogos infantis,

pudo essa voraz suja velha roubar-te os teus projectos, as tuas muitas ilusões

e dispersar o teu peito tão valente, esfanicar o teu jovem corpo.

Levavas esse dia os teus projectos, como a cotio, nas algibeiras.

Ainda lembro, Gassán, quando, com cuidado primoroso, os tiravas

do bolso esquerdo das tuas calças cinzentas, esfarrapadas de todo e bastante limpas [não obstante.

Acontecia no campo, no pátio duma escola,

naquele campamento nosso de refugiados, no arrabalde de Damasco,

onde a nossa ira medrava e também a esperança junto a fame* e a sua semelhança, a [miséria.

«Justo nesta montanha onde abundam os bosques e as covas —disses-te—

está o caminho mais curto para o nosso lugar, pertinho de acô*.

Deveríamos atacar de súpeto. A guerra é com surpresa, há que aprender deles.

Mas, é só o dia o nosso.

Cuida de não matar meninhos*, não destruir os nossos fogares

Também não queimar anaco* algúm da querida pátria.

O nosso é uma guerra de guerrilhas de espaçoso alento humano.

Jamais o rancor, que é muito descorado.

O ódio e a vingança hám ficar para o outro bando.

Flor violenta é o nosso, ardente mas, também fermosa.

Um alvor que abraça um claro dia e à vida nascente, o nosso é».

Que dedos de pianista voavam nos teus sobre o pequeno mapa

enquanto chamavas a atenção para as tuas tácticas guerreiras, nunca antes inventadas,

o teu grande convencimento de profeta,

aquela voz tua musical e de diamante à vez.

Hoje justificar pretendem os desesperados a violência louca, sen sentido.

E poucos, muito escasos, seguem a acreditar nos teus puros projectos juvenís, algum dia [certos.

Repartidos agora estamos em milhares de pedaços, como contigo fizeram.

E, no entanto, Gassán, não chorou da tua morte e tambén não na vida dos órfãos.

Desminto os que crem não cumplem os poetas o prometido nem fazem o que dizem.

Hoje volvo repetir-te aqueles versos meus que de cor conhecias:

«Apertai, com força, as bexigas.

Deixai sangrar a ferida

e com o sal rociai-a ».

Todo o que não seja ira e luz dos vossos olhos, arrincai.

Tempo haberá para chorar polos* mortos vossos.

O tempo do regresso à nossa terra, quando a apertemos e a rociemos

dos distintos sabores das lágrimas ao se fazerem o reencontro, distante tantas vezes.

Não conteis esse dia nem percas, nem traedores, nem desesperados.

«Já virá o tão veloz outono

e, perante a sua força, cairá o cerco e derrubarám-se os valados

e abrirám-se ao vento casas e casas».

«Então virá-lhe a sua vingança para quem foi traído,

e à terra o seu espasmo,

o seu parto a tanta luz.

Então, na certeza, há resuscitar Jerusalém

e a vergonha da frente do povo cairá».

Gassán, asseguro-te que hei cumplir os meus versos e fazer que os teus projectos [fructifiquem.

Ocupo-me agora, tam só, de recompor no meu poema um corpo esmigalhado.

Atesoura a História o que a terra inuma.

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35 Gassán Kanafani (1936-1972). O poeta entoa uma elegia ao porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina e director do semanário al-Hadaf (O Objectivo). Foi assassinado polos* serviços secretos do Estado Sionista junto à sua sobrinha de doze anos de idade, em Beirute em 8 de Julho de 1972, quando puser em marcha o seu automóvel. Grande pensador e escritor deu ao lume quatro coleções de contos: A morte da cama número 12 [Maut sarir raqm 12] (1961); A terra das laranjeiras tristes [Ard al-burtaqal al-hazin] (1963); Mundo que não é para nós [Alam laissa lana] (1965); De homens e fuziles [An ar-riyal wal-banadiq] (1968). Três romances: Homens ao sol [Riial fich-chams] (1963); O que vos resta [Ma tabaqa lakum] (1966); De volta a Haifa [Aid ila Haifa] (1969) e Um Saad (1969). Duas obras teatrais: A porta [al-bab] (1964) e O chapéu e o profeta [al-qubbaat wan-nabi] (1967); dous ensaios que deram a conhecer uma literatura até o momento quase desconhecida: Literatura de resistência na Palestina ocupada [Adab al muqawamah fi Filastin al-muhtalah] (1966) e A literatura palestina resistente sob a ocupação [al-adab al-filastini al-muqawin tahta al-ihtihal] (1968) e outro Sobre literatura sionista [Fil-adab as-sahiuni] (1967). Um livro de pensamento político: A resistência e as suas dificuldades [al-muqawamat wa muudilatuha] (1970) e outro histórico-político: A revolução de 1936-1939 na Palestina [Zaurat 1936-1939 fi Filastin] (1972). A tradução para o árabe de Verão e fumo de Tennessee Williams (1964). Um sem fim de artigos jornalísticos, e inéditos como, um livro de viagens à China: E depois amanheceu Ásia [Zuma achraqat Asia] e cinco romances que não foram editados em livro, embora publicados em fascículos em jornais ou revistas: E quem foi que matou Laila al-Hayek? [Ach-chaii al-ajar au “man qatala Laila al-Hayek?”]; O loto vermelho morto [al-lutus al-ahmar al-mayyit]; O namorado [al-achiq]; O cego e o surdo [al-ama wal-atrach] e Os albricoques em Junho [Burquq nisan). Ver: Memoria y homenaje: Gassan Kanafani, escritor y testimonio palestino no volume Escritos sobre literatura palestina (Oficina de la Liga de los Estados Árabes, Madrid, 1984) do eminente arabista e professor, Pedro Martínez Montávez.

Crónica Gráfica do Proxecto Expositivo NON MUNDO – VI FOLIADA DAS ARTES no Pazo de Sabadelle

Crónica Gráfica do Proxecto Expositivo NON MUNDO – VI FOLIADA DAS ARTES no Pazo de Sabadelle

O pasado sábado, 14 de xullo, celebrouse no Pazo de Sabadelle (Chantada), administrado por Xosé Figueroa Lorenzana, o seu dono e un activo promotor de diversas propostas multidisciplinares (artísticas, poéticas, musicais). Figueroa tivo un pretexto sensible para o deleite dos sentidos, onde as imaxes tanxibles, a poesía recitada e a música a través da festa deron paso á unión de todos os mundos posibles e imposibles nun espazo rodeado de natureza, como é o Pazo de Sabadelle.

No seguinte enlace atoparemos unha crónica gráfica que reproduce distintos instantes vividos nesta VI Folidada das Artes.

 

*As imaxes que compoñen a galería fotográfica foron achegadas por Xosé Figueroa Lorenzana.

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXI), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXI), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXI)

 

Makhmud Sobh al-Kurdi

مخمود صبح الكردي

Mahhmud Sobh al-Kurdi nasceu na pequena aldeia de Safad na Galileia, perto de Nazaré. É brutalmente expulso em Maio de 1948 ele e a sua família polos* tanques e os soldados do criado recém Estado sionista na Palestina.

Em Outubro de 1954, logo de ter superado os exames correspondentes é nomeado mestre de ensino primário na Síria. Em 1962 recebe o Diploma de Pedagogia pola* Universidade de Damasco.

Um poema seu dedicado ao poeta clássico al-Mutanabbi33 obtém em 1960 o prémio da Universidade de Damasco e em Julho de 1961 com outro poema, Epopéia Eterna, consegue o primeiro prémio do Certame convocado em Damasco pola* União de Universidades da R.A.U.

Em 1963 vemo-lo como professor na Escola Normal de Oram (Argélia) e em 1964 é nomeado director duma escola secundária em Homs (Síria).

Traslada-se para a Espanha em 1965 aceitando uma beca para fazer uma tese doutoral sobre a poesia clássica andalusi que defende com o título A poesia amorosa arábigo-andaluza obtendo a qualificação de sobressalente. É nomeado professor do Departamento de Árabe e Islã na Universidade Complutense de Madrid e professor de língua árabe na Escola Diplomática Espanhola em Outubro de 1973. Em 28 de Outubro de 1975 obtém um dos prémios Álamo de Poesia polo* seu Livro das Kasidas de Abu Tárek.

Em 22 de Janeiro de 1976 é homenageado no Palácio de Congressos e Exposições de Madrid polos embaixadores árabes na Espanha.

Outorgam-lhe os prémios Concelho de Rota e Cidade de Irún polo seu volume Possesso em Layla.

Em 1978 obtém o prestigioso prémio Vicente Aleixandre e ao seguinte ano concederam-lhe a nacionalidade espanhola.

A 1 de Janeiro de 1981 é nomeado chefe do Seminário de Estudos de Filologia, Literatura e Belas Artes no Instituto Hispano-Árabe de Cultura.

Em 1983 obtém o Prémio Nacional de Tradução e o dia 17 de Janeiro de 1985 é nomeado professor titular na Universidade Complutense de Madrid.

A 9 de Junho de 2001 toma possessão da Cátedra de Estudos Árabes e Islâmicos na Universidade de Madrid.

Prestigioso professor e erudito investigador tem dado, além duma insubstituível História da Literatura árabe clássica, uma formosa coleção de poemas femininos clássicos árabes do al-Ándalus sob o nome de Poetisas arabigo-andaluzas. Toda a sua obra poética está recolhida no livro Divan. Antes, Em, Depois, publicado em Madrid no ano 2001.

 

 

A aldeia ao pôr-do-sol

 

Fazia-se noite e os disparos na garganta da aldeia enrouqueceram.

Um silêncio solene, sem serenos reflexos, apoderou-se das ruas.

Inclinou-se para a terra o nevoeiro dando-lhe de mamar o seu carinho,

com os seus véus arroupava-a e com a sua própria boca estinguia o laído*.

Polas* veias do lugar um arrepio de espantosa morte andava em derredor,

alimentava-se dele o sossego e dos regatos das bágoas* bebia.

Como espectros de lobos quando o rebanho espreitam, achegava a noite.

Convulsos segundos foram os que a aldeia surprendida deixou passar.

Para esquadrinhar as ruas, minha mãe, tremente, medrosa, assomara a cabeça.

Olhava eu para ela, silente, num breve instante de terror e mudezes.

Os meus olhos espetara no candeeiro e vestido de palidezes mirei-me.

O sangue era tam só um carambano… Minha mãe exclamou:

Mataram os nossos homens, meu filho. Bestas às casas nossas se acercam.

Meu filho, foram assassinados os homens nossos. E agarrando-me as mãos botou-se a [fugir.

A praça da aldeia conquistaram já a récua dos deuses da Morte:

cadáveres espalhados. Um silêncio afogado em fiada de explosões.

De traje carmesim a brétema* cingia os rostos das vítimas

enquanto debandadas de fugitivos da Morte atingiam os caminhos

mas, dava-lhes alcance a Morte com o seu atroz exército de milhares de tropas.

Corriamos eu e minha mãe. As catástrofes, atrás nosso, apressavam também.

Os pés nos resgataram da Morte até que a fadiga nos rendeu.

O terror multiplicava a sua silhueta e espreitava às escondidas no silêncio.

A pergunta fervia-me nas entranhas: Mãe… Onde…

Onde… Onde vai o papá? E das pupilas escorreram-nos as lágrimas.

A nossa aldeia foi destroçada, meu filho, e mataram todos os moradores.

Só se salvou a desonra e a perversa maldição do destino.

Fitava em silêncio para a distante aldeia e em mim prendia o ódio no seu incêndio.

Vamos… que os pés prossegam o caminho, baldados e rendidos.

http://www.abc.es/Media/201302/19/mahmud–478×370.JPG

 

 

33 Abu-l-Tayyib Ahmad ibn Husayn, mais conhecido como Al-Mutanabbi (Kufa (Iraque), 915 – Bagdade, 23 de setembro de 965) foi um poeta do califado abássida do século X e pertence a época neo-clássica. Entre os eruditos é comum afirmar que é o mais grande poeta árabe de todos os tempos.

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXX), por André Da Ponte

ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXX)

Ibrahim Nasralah

إبراهيم نصرالله

Dias

O primeiro dia

susteve a minha mão enquanto debuxava um ataúde.

Então me enviaram uma coroa.

No segundo dia

susteve a minha mão enquanto debuxava uma flor.

Então me enviaram um ataúde.

O dia terceiro bradei a voz cheia:

Quero viver.

Enviaram-me então um assassino.

Imigrante

Para todos os lados aonde os seus pés caminharam

eles chegavam,

Mas ele

não.

A pátria

Sob o jugo das nossas manhãs

Desfaz-se o sol.

E na escuridade dos nossos passos

A nossa agitada respiração se incendeia.

Estas pátrias incompletas nas que estamos em aparência

apenas prisioneiros de guerra.

A morte

Em tempos do meu avô

Chamavam-na: Turquia.

Em tempos de meu pai: Grã-Bretanha.

Nós chamamo-la: Estados Unidos de América.

Muito temos feito então.

Sabemos, polo* menos o que é,

para que os nossos filhos não mal gastem as suas vidas

buscando um nome

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