ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXXII)

Makhmud Sobh al-Kurdi

مخمود صبح الكردي

Onde voam as águias ninguém em Palestina esquecerá Gassán35

Lim nos jornais que a miúdo de ti falavam

e disse para mim: mintem os jornais igual que sempre.

Como havia acreditar que se atrevera a morte, disfarçada de artefacto explosivo,

a te insinar o seu terrível rosto cara a cara, em pleno dia maldito.

E como, vicinho da minha infância, companheiro de jogos infantis,

pudo essa voraz suja velha roubar-te os teus projectos, as tuas muitas ilusões

e dispersar o teu peito tão valente, esfanicar o teu jovem corpo.

Levavas esse dia os teus projectos, como a cotio, nas algibeiras.

Ainda lembro, Gassán, quando, com cuidado primoroso, os tiravas

do bolso esquerdo das tuas calças cinzentas, esfarrapadas de todo e bastante limpas [não obstante.

Acontecia no campo, no pátio duma escola,

naquele campamento nosso de refugiados, no arrabalde de Damasco,

onde a nossa ira medrava e também a esperança junto a fame* e a sua semelhança, a [miséria.

«Justo nesta montanha onde abundam os bosques e as covas —disses-te—

está o caminho mais curto para o nosso lugar, pertinho de acô*.

Deveríamos atacar de súpeto. A guerra é com surpresa, há que aprender deles.

Mas, é só o dia o nosso.

Cuida de não matar meninhos*, não destruir os nossos fogares

Também não queimar anaco* algúm da querida pátria.

O nosso é uma guerra de guerrilhas de espaçoso alento humano.

Jamais o rancor, que é muito descorado.

O ódio e a vingança hám ficar para o outro bando.

Flor violenta é o nosso, ardente mas, também fermosa.

Um alvor que abraça um claro dia e à vida nascente, o nosso é».

Que dedos de pianista voavam nos teus sobre o pequeno mapa

enquanto chamavas a atenção para as tuas tácticas guerreiras, nunca antes inventadas,

o teu grande convencimento de profeta,

aquela voz tua musical e de diamante à vez.

Hoje justificar pretendem os desesperados a violência louca, sen sentido.

E poucos, muito escasos, seguem a acreditar nos teus puros projectos juvenís, algum dia [certos.

Repartidos agora estamos em milhares de pedaços, como contigo fizeram.

E, no entanto, Gassán, não chorou da tua morte e tambén não na vida dos órfãos.

Desminto os que crem não cumplem os poetas o prometido nem fazem o que dizem.

Hoje volvo repetir-te aqueles versos meus que de cor conhecias:

«Apertai, com força, as bexigas.

Deixai sangrar a ferida

e com o sal rociai-a ».

Todo o que não seja ira e luz dos vossos olhos, arrincai.

Tempo haberá para chorar polos* mortos vossos.

O tempo do regresso à nossa terra, quando a apertemos e a rociemos

dos distintos sabores das lágrimas ao se fazerem o reencontro, distante tantas vezes.

Não conteis esse dia nem percas, nem traedores, nem desesperados.

«Já virá o tão veloz outono

e, perante a sua força, cairá o cerco e derrubarám-se os valados

e abrirám-se ao vento casas e casas».

«Então virá-lhe a sua vingança para quem foi traído,

e à terra o seu espasmo,

o seu parto a tanta luz.

Então, na certeza, há resuscitar Jerusalém

e a vergonha da frente do povo cairá».

Gassán, asseguro-te que hei cumplir os meus versos e fazer que os teus projectos [fructifiquem.

Ocupo-me agora, tam só, de recompor no meu poema um corpo esmigalhado.

Atesoura a História o que a terra inuma.

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35 Gassán Kanafani (1936-1972). O poeta entoa uma elegia ao porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina e director do semanário al-Hadaf (O Objectivo). Foi assassinado polos* serviços secretos do Estado Sionista junto à sua sobrinha de doze anos de idade, em Beirute em 8 de Julho de 1972, quando puser em marcha o seu automóvel. Grande pensador e escritor deu ao lume quatro coleções de contos: A morte da cama número 12 [Maut sarir raqm 12] (1961); A terra das laranjeiras tristes [Ard al-burtaqal al-hazin] (1963); Mundo que não é para nós [Alam laissa lana] (1965); De homens e fuziles [An ar-riyal wal-banadiq] (1968). Três romances: Homens ao sol [Riial fich-chams] (1963); O que vos resta [Ma tabaqa lakum] (1966); De volta a Haifa [Aid ila Haifa] (1969) e Um Saad (1969). Duas obras teatrais: A porta [al-bab] (1964) e O chapéu e o profeta [al-qubbaat wan-nabi] (1967); dous ensaios que deram a conhecer uma literatura até o momento quase desconhecida: Literatura de resistência na Palestina ocupada [Adab al muqawamah fi Filastin al-muhtalah] (1966) e A literatura palestina resistente sob a ocupação [al-adab al-filastini al-muqawin tahta al-ihtihal] (1968) e outro Sobre literatura sionista [Fil-adab as-sahiuni] (1967). Um livro de pensamento político: A resistência e as suas dificuldades [al-muqawamat wa muudilatuha] (1970) e outro histórico-político: A revolução de 1936-1939 na Palestina [Zaurat 1936-1939 fi Filastin] (1972). A tradução para o árabe de Verão e fumo de Tennessee Williams (1964). Um sem fim de artigos jornalísticos, e inéditos como, um livro de viagens à China: E depois amanheceu Ásia [Zuma achraqat Asia] e cinco romances que não foram editados em livro, embora publicados em fascículos em jornais ou revistas: E quem foi que matou Laila al-Hayek? [Ach-chaii al-ajar au “man qatala Laila al-Hayek?”]; O loto vermelho morto [al-lutus al-ahmar al-mayyit]; O namorado [al-achiq]; O cego e o surdo [al-ama wal-atrach] e Os albricoques em Junho [Burquq nisan). Ver: Memoria y homenaje: Gassan Kanafani, escritor y testimonio palestino no volume Escritos sobre literatura palestina (Oficina de la Liga de los Estados Árabes, Madrid, 1984) do eminente arabista e professor, Pedro Martínez Montávez.