LEMBRANÇA DO AMOR

LEMBRANÇA DO AMOR

Os teus olhos guardaram mansamente

o doce aroma onde dormiu a rosa

tingindo minha lágrima amorosa

de ausente bico no meu lábio ardente.

No teu silêncio amei docemente

o latejo em tua alma temerosa

e fechei, já para sempre, a ardorosa

ânsia dum suspiro docilmente.

E busco a sombra que ficou transida

perdida numa tarde adolescente

quando, por um momento, amei a vida.

É no rigor do vazio onde, ausente,

me devora a lembrança fenecida,

passada, mas ainda tão presente.

(Do livro inédito: “Sonata dum quebrado violino”)

PÓRTICO DA FIRMEZA

Se algum dia, infeliz, triste renego

da luz que tu me deste do teu seio

que fique tolhida a alma que carreio

e me ache sem siso, sombrio e cego.

 

E se algum dia abjuro do aconchego

dos bicos que deste em afagueio,

vede-se a minha vida no gradeio

do esqueço e no mais baixo desapego.

 

Se algum dia renuncio àquela aurora

e a todo o que derramaste em minha alma

e que aqui se afiança em sentimento,

 

que o meu coração se trilhe nessa hora

e mais não tenha já gota de calma,

nem sequer seja eco levado ao vento.

(Do livro inédito SONATA DUM QUEBRADO VIOLINO)

CONCERTINO

Que distante fica já a melancolia

do apagado tempo na sua fogueira,

onde levantou arvoredas e nuvens

Afrodite da lágrima e da mirra.

Que longe dura tudo quando torno

reler, mesmo com piedade, o canto

sem pisca de devastação nenhuma,

como o dourado sol-pôr na primavera

deixa no ar a alma cheirando em cinza.

Que perto abunda a tristeza transparente

de ser sereno amante, já agora

numa terra prendida às codesseiras.

Que delicado ser ininterrupta e desmedida

cadeia de laços em eternos instantes

onde a aurora olha-se no entardecer.

Que doce ser para sempre demora

como a derradeira obrigação do homem.

(Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”)