por Andre da Ponte | May 10, 2017 | Autores/as, Creación
(Lembrança dum dia morno de julho na Branha)
Antes dos seus ardores,
antes de dar claridades à terra
deslumbrando candores
que a escuridade aferra
e, sumida a noite, em candidez cerra,
era sua voz amante,
namorada polo sol comovido.
Com rumor radiante
tomava o seu gemido
com o terno enxergar enternecido:
¬ Estremecida calma dos meus dias,
segura na avidez das minhas veias,
para vestir-me do ardor que chirleias
vem, alenta-me o odor das alegrias
e guarda as violetas que me trazias,
o vento soão que no val ateias,
que descanse nas tuas mãos sereias
a meiguice do dia que tecias.
Ufano no bosque acariciante
fica teu sono na noite amparado,
latido da tua pele fragante,
alinda lento o despertar do gado
convocado na tua olhada ansiante
e tornem flores as ervas do prado.
Raiara mais florido,
confiando todo o tremor interno
ao planeta de cores definido,
dando ao seio materno
o tíbio triunfo do canto eterno.
Do escuro e roxo forno
o pão nascido das mãos e dos fogos
dedica ao dia morno
os seus gozos e rogos
e surge no ar o anelo
lourecendo o voo do teu cabelo.
Dos ramos dos fieitos
onde o sol vai ficando entrelaçado,
emergem satisfeitos
no dia concentrado
todas as luzes dum céu abrilhantado.
Teus olhos, namorada,
luzindo tepidamente as soidades.
Com a voz desmaiada
por invariantes honestidades,
cantam assim suas fidelidades:
¬ Agora, quando aurora se levanta
ama-me com tua olhada, meu amado,
recolhe-me o cabelo com cuidado
e dá-me um bico denso na garganta.
Agora, quando o passarinho canta,
demora-te um pouco mais ao meu lado
e cinge-me pra estar no teu costado
que em ti tersa minha alma se agiganta.
Não vês que o mundo todo fica mudo
quando a minha fala para ti soa
e meu coração encontra-se desnudo?
Não vês que a minha pele te apregoa
quando me olham teus olhos de veludo
e todo o meu ser a ti se agrilhoa?
Chegava o meio-dia
e até o ar era pomposo e brilhante,
o mundo era algaravia,
um piar latejante
e a terra sinfonia concertante.
As vacas dando o rabo,
as abelhas libando entre os lírios,
calmaria sem cabo,
trigos como círios
e os cirros seguindo seus delírios,
pola sombria senda
vão se resguardando os olhos da amada
sem que sequer acenda
a palavra varada
da ternura ébria da mirada:
¬ Nem o lírio, nem a açucena ou acanto
nem a rosada frente da aurora,
nem frescor da noite arrebatadora
têm, meu amado, todo o teu claro encanto.
As aves vão piando com teu canto
e tua fala carinhosa e sedutora
que semeia em minha alma me labora,
me cobre com silencioso espanto.
Desejo polos campos derramada
ver ascender as luzes que reclama,
o claror que marca tua pegada!
Ardendo irá na presença que inflama,
na esperança tanto tempo aguardada
sem lume, eternamente a minha chama.
Morre o dia calado
e aparecer a lua não se atreve
sobre o bosque e no prado
o vento está dourado
e ainda o lento orvalho é muito leve.
Atendem tua chamada,
que é, na tardinha, teu brando arrolo,
as vacas. A Branha fica isolada
na soidade do solo.
Canto, quase dolente, ao teu consolo:
¬ O tempo, valor da clara harmonia,
ficou parado neste curto instante,
nunca a minha alma tão fragrante
sentiu o perfume do frescor do dia.
Nunca o sol-pôr trouxe com tal porfia
a ânsia de te bicar constante,
luz em flor, em aroma cativante,
cálido tremor, força de alegria.
Deixa passar o tempo. Fecha o esqueço
que é no teu alento pura esperança
e goza o lento fragor do meu apreço.
Apenas és, meu bem, pra mim gabança.
A noite cai. Meu coração ofereço
em cálice de bem-aventurança.
[Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”]
https://us.123rf.com/450wm/gajus/gajus1409/gajus140900147/32092415-deserted-forest-track-through-lush-green-woodland-with-a-deer-and-a-dappled-sunlight-in-a-scenic-tra.jpg?ver=6https://us.123rf.com/450wm/gajus/gajus1409/gajus140900147/32092415-deserted-forest-track-through-lush-green-woodland-with-a-deer-and-a-dappled-sunlight-in-a-scenic-tra.jpg?ver=6
por Andre da Ponte | May 5, 2017 | Autores/as, Creación
Não quero já a alegria
que não seja prendada por teus olhos,
nem o prazer do vento,
nem o sabor da lua,
nem o dourado trigo em seu orgulho.
As ervas olorosas,
a música pausada dum violino,
as doces senhardades
que o castanheiro cede,
são pequenas cousinhas ao teu passo.
Hoje o meu coração está brilhante,
e canta a cotovia
na frescura do ninho.
O destino que o caminhar compassa
são as luzes de amor ao teu cuidado.
Minha alma não ousa ficar sozinha
sem vibrar no teu sangue,
sem música aos teus lábios,
sem firme ar sereno
aberto par em par a tua ansiedade.
É por ti. Tão só a ti que procurava.
Ó cálido tremor! Ó fugitivo
bálsamo de candores,
eterna maravilha,
loura matéria banhada em seiva!
Quebrando a sua medida,
cercado íntimo lume
de pertinaz constância,
consolarão, para além da carícia,
a pura liberdade sempre aberta.
Coração duma fatiga
em ti se a apaga a sede, minha amada,
e aperto estreitamente
o calor que te cerca e te possui,
a paixão que levanta.
A minha mocidade como chanta
fica e todo o devora;
Mais outra vez na cinza
que exige lume e alimento,
arrumarão os dias.
E assim, amor do meu amor constante,
quando a sombra apague a luz dos rigores,
e os valados sejam meus firmes cimos,
quando o peso do tempo te possua,
serei tua luz mais cheia.
(Do livro inédito: “Sonata dum quebrado violino”)
*Imaxe: http://1.bp.blogspot.com/_h5WxwczlRKs/TOL6qvmfYbI/AAAAAAAAAE0/EK9xo83R8dE/s1600/natureza-na-mao-73445.jpg
por Andre da Ponte | May 3, 2017 | Autores/as, Creación
Hoje volto a vós, campos dolorosos,
órfãos já de trinados e de pegas,
nas lembranças que vão andando às cegas,
nos trêmulos vapores vagorosos,
nas brêtemas bronzeadas de opalino,
nas pegadas dos corços temerosos
que bebem luz do céu diamantino.
Torno a lembrar-te, campo desolado,
a voltar ao curso daquelas horas.
Torno a ti com as plácidas auroras
ao recendo do tempo constelado.
Volto a ti e em silêncio te interrogo
se te lembras daquele tempo passado
ardendo ainda labaredas de fogo.
É do teu colo, ó terra, que vivemos
nosso pesado pranto com porfias
e das mãos tiramo-nos com agonias
o pão de pesadume que comemos;
Ainda ontem carne de ásperos ossários
que corre polo sangue e que mantemos
na olhada dos carvalhos centenários.
Que acaso em que brotou a maravilha
da fermosura aberta que comove
– coalhado tempo que na alma chove –
bate em nós com rigor e acovilha?
Zoscado coração pendente à morte
sempre a brincar em trágica partilha
jogando-nos a nós em cruel sorte.
Aquele cômbaro dondo em verdores
sempre prendido às pedras derrotadas,
aqueles sucos nas lindes cansadas,
aquelas murchas e pálidas flores,
as árvores onde brigaram gumes,
os caminhos contemplando os rigores
de labirintos de carros e estrumes.
É no equilíbrio da gris cinza e da erva
que abala o miolo de afastados ossos.
Indago em ti com olhos pressurosos
a benigna paz onde o amor se enerva.
Melancolia acesa na procura
da mais longa caminhada proterva
que busco deter eu, mas me perfura.
Sobre ti cravarei a dor inerte
desta soidade que juntada alcança.
Lhe darei um voo prendido na esperança,
raízes de quentura para ter-te,
pedaços dum amor engravidado,
monte de lágrimas que na alma aperte
esse tempo feliz atravessado.
(Do livro inédito: “Sonata dum quebrado violino”)
FOTO: Presa de Merra de abaixo. San Salvador de Parga.
AUTOR: Raul Rio
por martinho | Abr 28, 2017 | Autores/as, Creación
De mole e suave luz redimidos
meus olhos em teus olhos precipitam
uma manhã submersa, em que suscitam
as tardes onde avivam incendidos.
Os brilhos dos caminhos escondidos
enchem sonhos e luz possibilitam
centelhas de fulgor, onde palpitam
as entranhas que escondem seus latidos.
Curvado à paisagem da ternura
a vista se me aninha em ar de cores
e na íntima alegria se apressura.
A ansiedade dos campos e flores
polo teu brando olhar fica e perdura
pronto um mar ordenado de candores.
[Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”]
Imaxe: http://2.bp.blogspot.com/-INAR_WqQ1s8/Tqr0S-ZyiHI/AAAAAAAAAEM/yhDSSig8TuU/s1600/56d89461e7d93426d909dfa0d91db49959b3f85c.jpeg
por Andre da Ponte | Abr 28, 2017 | Autores/as, Creación
Além fonte dos choupos do sendeiro
ia a tarde descendo demorada
e o suave cheiro na encruzilhada
batia ainda no céu soalheiro.
De mãos dadas, o rumo era um certeiro
rebolar da alegre alma ensimesmada
no alabastro sem ondas, e a dourada
meiguice terna me fez sobranceiro.
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Amor de salvação no remoinho
em que banho as lembranças dolorosas
de uma tarde de esperança e elegia.
Ainda o tempo ter cruel caminho,
sinto hoje em mim o perfume das rosas
daquele instante em que ao nascer morria.
(Do livro inédito Sonata dum quebrado violino)
Pintura: Campo de Coles, Pontoise. Camille Pissarro, 1873