Ó, FICA…! de Mihai Eminescu (tradución ao galego de André Da Ponte)

Ó, FICA…! de Mihai Eminescu (tradución ao galego de André Da Ponte)

Das minhas traduções

 

UM GENIAL POETA ROMENO, MIHAI EMINESCU, TRADUZIDO EM GALEGO – PORTUGUÊS.

Na tradução tentei não só ser o mais fiel possível ao texto em romeno, mas também à estrofe poética que “traduzi” em quadras ao jeito popular galego-português.

 

Ó, FICA…!

 

“Ó, fica, fica comigo,

quero-te, te adoro tanto!

Todos teus desejos, todos

tão só eu sei escuitá-los.

 

Na sombra longa da lua,

a princesa te assemelho,

que se reflete nas águas

com seus doces olhos negros.

 

E entre o rumor das ondas

e entre o ondear das ervas,

fago te escuitar, misterioso,

como rebanho das cervas.

 

Vejo te feliz, suspensa,

como cantas em voz baixa

e na água reluzente

teu pezinho nu avanças.

 

Ao ver da lua cheia

sua luz nos lagos ficar-se,

são um instante teus anos

e os séculos um instante”.

 

Terno, o bosque assim  falou,

movendo seus altos ramos.

A seu convite assobiei

e sai rindo pra o campo.

 

Hoje quisesse voltar;

já nada compreenderia…

Diz tu, infância, onde vai

teu bosque daqueles dias?

 

(Convorbiri literare, 1 de fevereiro de 1879)

 

 

Mihail Eminescu (Botoșani, 15 de janeiro de 1485 —  Bucareste, 15 de junho de 1889)

 

[Traduzido do romeno para galego – português desde LUCEAFĂRUL şi alte poezii, Corĭnt, Clasici Romani, Bucureşti, 2004, páginas 32-33]

 

 

O, rămâi…

 

“O, rămâi, rămâi la mine –
Te iubesc atât de mult!
Ale tale doruri toate
Numai eu ştiu să le-ascult;

În al umbrei întuneric
Te asamăn unui prinţ,
Ce se uit-adânc în ape
Cu ochi negri şi cuminţi;

Şi prin vuietul de valuri,
Prin mişcarea naltei ierbi,
Eu te fac s-auzi în taină
Mersul cârdului de cerbi:

Eu te văd răpit de farmec
Cum îngâni cu glas domol,
În a apei strălucire
Întinzând piciorul gol

Şi privind în luna plină
La văpaia de pe lacuri,
Anii tăi se par ca clipe,
Clipe dulci se par ca veacuri.”

Astfel zise lin pădurea,
Bolţi asupră-mi clătinând –
Şuieram l-a ei chemare
Ş-am ieşit în câmp râzând.

Astăzi chiar de m-aş întoarce
A-nţelege n-o mai pot…
Unde eşti, copilărie,
Cu pădurea ta cu tot?

 

(Convorbiri literare, 1 februarie 1879)

 

 

FOTO DO GRANDE POETA TIRADA EM 1878.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/85/Mihai_Eminescu_27.jpg

 

 

MELANCOLIA de Mihai Eminescu (versión galega de André Da Ponte)

MELANCOLIA de Mihai Eminescu (versión galega de André Da Ponte)

Das minhas traduções

 

UM GENIAL POETA ROMENO, MIHAI EMINESCU, TRADUZIDO EM GALEGO.

 

Conhece-se nos países de língua galego-portuguesa a Mihai Eminescu? Penso que, infelizmente, práticamente nada se sabe deste genial poeta que pode, e ainda se deve, comparar com Camões ou Rosalia de Castro entre nós-outros.

Eu devo este conhecimento e prazer de ler cada dia o poeta nacional da Romênia e da Moldávia à minha querida amiga romena e, muito boa soprano aliás, Ana Cioca, hoje morando de volta na Romênia. Vai para ela, que tanto gostava da língua galego-portuguesa, esta tradução com toda a saudade na alma.

(Como sempre, o texto na língua original vai em baixo da minha tradução)

Espero gostem.

 

MELANCOLIA

 

É como se abrisse entre as nuvens uma porta,

para que a rainha da noite passe morta.

Ó, dorme, dorme em paz entre milhares de fachas,

baixo a tua tumba azul e o sudário de prata,

em teu grande mausoléu, abóbada dos céus,

tu, doce e adorada noturna soberana!

O mundo na sua largura jaz baixo o orvalho,

que reveste dum véu de luz aldeias e campas;

o ar cintila e como a cal alvos

brilham os edifícios, as ruínas solitárias.

O campo-santo, mudo, de cruzes rotas, vela;

sobre uma cruz, há, gris, uma coruja parada,

o campanário range, as traves ressoam,

e o demo, diáfano, atravessando o ar,

roça de leve o bronze com as suas asas,

arrancando um lamento, uma onda de dor.

……………………………………………….. A igreja derrubada

mantem-se piedosa e triste e muda e velha,

e através seus vidros rotos assobia o vento;

dissera-se um ensalmo do que se ouvem palavras.

Dentro, sobre os muros antes de ícones cheios,

apenas ficaram as contornas assombradas,

e como sacerdote, um grilo vai tecendo

a sua ideia escura enquanto dobra uma traça.

 

………………………………………………………………………………

 

Foi a fé quem pintou os ícones dos templos,

ela quem encheu de contos mágicos minha alma,

mas o trovão e o vaivém da vida

apenas me deixaram sombras e tristes pegadas.

Em vão busco hoje meu mundo no meu cérebro

porque ferrugento e velho só nele um grilo canta;

bate meu coração baixo da minha mão

como se uma ataúde roesse uma traça.

Quando penso a minha vida, vejo-a que esbara

lentamente por lábios estrangeiros contada,

como se minha não fosse, como se fosse um aborto.

Quem é este que conta a minha vida de cor

tão bem que mesmo o escuito e rio da dor

como se fosse alheio?… Faz tempo que estou morto.

 

(Publicado em Convorbiri literare, 1 de setembro de 1876)

 

Mihail Eminescu (Botoșani, 15 de janeiro de 14850 —  Bucareste, 15 de junho de 1889)

 

[Traduzido do romeno para o galego desde LUCEAFĂRUL şi alte poezii, Corĭnt, Clasici Romani, Bucureşti, 2004, páginas 27-28]

 

 

MELANCOLIE

 

Părea că printre nouri s-a fost deschis o poartă,
Prin care trece albă regina nopţii moartă. –
O, dormi, o, dormi în pace printre făclii o mie
Şi în mormânt albastru şi-n pânze argintie,
În mausoleu-ţi mândru, al cerurilor arc,
Tu adorat şi dulce al nopţilor monarc!
Bogată în întinderi stă lumea-n promoroacă,
Ce sate şi câmpie c-un luciu văl îmbracă;
Văzduhul scânteiază şi ca unse cu var
Lucesc zidiri, ruine pe câmpul solitar.
Şi ţintirimul singur cu strâmbe cruci veghează,
O cucuvaie sură pe una se aşează,
Clopotniţa trosneşte, în stâlpi izbeşte toaca,
Şi străveziul demon prin aer când să treacă,
Atinge-ncet arama cu zimţii-aripei sale
De-auzi din ea un vaier, un aiurit de jale.
Biserica-n ruină
Stă cuvioasă, tristă, pustie şi bătrână,
Şi prin fereste sparte, prin uşi ţiuie vântul –
Se pare că vrăjeşte şi că-i auzi cuvântul –
Năuntrul ei pe stâlpii-i, păreţi, iconostas,
Abia conture triste şi umbre au rămas;
Drept preot toarce-un greier un gând fin şi obscur,
Drept dascăl toacă cariul sub învechitul mur.
……………………………………………………………..
Credinţa zugrăveşte icoanele-n biserici –
Şi-n sufletu-mi pusese poveştile-i feerici,
Dar de-ale vieţii valuri, de al furtunii pas
Abia conture triste şi umbre-au mai rămas.
În van mai caut lumea-mi în obositul creier,
Căci răguşit, tomnatec, vrăjeşte trist un greier;
Pe inima-mi pustie zadarnic mâna-mi ţiu,
Ea bate ca şi cariul încet într-un sicriu.
Şi când gândesc la viaţa-mi, îmi pare că ea cură
Încet repovestită de o străină gură,
Ca şi când n-ar fi viaţa-mi, ca şi când n-aş fi fost.
Cine-i acel ce-mi spune povestea pe de rost
De-mi ţin la el urechea – şi râd de câte-ascult
Ca de dureri străine?… Parc-am murit de mult.

 

(Comvorbiri literare, 1 septembrie 1876)

 

 

FOTO DO GENIAL POETA TIRADA EM 1869

 

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dc/Eminescu.jpg

 

 

CHEGADO JÁ O CURSO DA MINHA VIA de Miguel Ângelo Buonarroti (tradución de André da Ponte)

CHEGADO JÁ O CURSO DA MINHA VIA de Miguel Ângelo Buonarroti (tradución de André da Ponte)

Das minhas traduções

 

Além de ser um genial debuxante, pintor, escultor, engenheiro e arquitecto (tantas cousas foi e sempre tão infinito!), Miguel Ângelo Buonarroti foi um extraordinário vate que plasmou em imelhoráveis poemas as incomuns qualidades que aquela prodigionsa mente possuia.

As suas Rime são um requintado uso da palavra onde punha, também, pincéis,  cinzéis e cálculos.

Deixo esta tradução para ficarmos sabendo da sua enorme arte.

 

CHEGADO JÁ O CURSO DA MINHA VIA

 

RIMA 285

 

Já chegado o curso da minha via

Por proceloso mar, em frágil barca,

Lá ao porto, onde se rende à parca

Conta de toda acção, injusta ou pia.

 

Onde foi da amorosa fantasia

Que ídolo me fez arte e monarca,

Eu que bem conheço quanto erro abarca,

E quanto mau grado no homem desfia.

 

Devaneios de amor, vãos fúteis da arte,

Que sois, se chega aos mortos o sino?

Uma é só certeza e a outra uma ameaça.

 

Não há pintar e gravar que hoje farte

A alma volta àquele amor divino

Que, abrindo os braços, nos prende e abraça.

 

Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (Caprese, 6 de março de 1475 – Roma, 18 de fevereiro de 1564)

 

RIME 285

 

Giunto è già ’l corso della vita mia,
con tempestoso mar, per fragil barca,
al comun porto, ov’a render si varca
conto e ragion d’ogni opra trista e pia.

Onde l’affettüosa fantasia
che l’arte mi fece idol e monarca
conosco or ben com’era d’error carca
e quel c’a mal suo grado ogn’uom desia.

Gli amorosi pensier, già vani e lieti,
che fien or, s’a duo morte m’avvicino?
D’una so ’l certo, e l’altra mi minaccia.

Né pinger né scolpir fie più che quieti
l’anima, volta a quell’amor divino
c’aperse, a prender noi, ’n croce le braccia.

 

 

Retrato de Miguel Ângelo assinalando os seus debuxos.

Pintura atribuída a Sebastiano del Piombo, em volta de 1520.

Galeria Hans de Hamburgo

 

http://1.bp.blogspot.com/-qrUJZVIEmH0/TxqPA4Z3j2I/AAAAAAAABSw/W8gzko93MEk/s1600/15.jpg

O SOLTEIRÃO de Leopoldo Lugones (versión galega de André Da Ponte)

O SOLTEIRÃO de Leopoldo Lugones (versión galega de André Da Ponte)

Das minhas traduções

UM POEMA DE LEOPOLDO LUGONES TRADUZIDO PARA O GALEGO DUMA EDIÇÃO DE JORGE LUÍS BORGES.

 

Leopoldo Lugones é um dos mais celebrados poetas que tem dado a literatura argentina e ainda toda  a literatura escrita em língua castelhana no século XX.

Apanho o poema que vai abaixo da edição “Leopoldo Lugones. Antología Poética. Prólogo y selección de Jorge Luís Borges”, Alianza Editorial, Madrid, 1982, páginas 23-28.

Do prólogo de Borges destaco : “Nasceu em 1874, numa vila da província mediterrânea de Córdoba; em 1938 suicidou-se numa das ilhas do Tigre, esse intrincado e verde arquipélago que se estende ao noroeste da cidade de Buenos Aires. Os seus antepassados foram conquistadores asturianos e militares da nossa Guerra da Independência […] Criou-se no campo, que conheceu e amou minuciosamente. Aos vinte anos, cursados já os seus estudos universitários, foi para Buenos Aires, que lhe daria o que talvez lhe faltara: o diálogo filosófico e literário. No Ateneu tivo amizade com Dario (Rubén Dario). Filiado ao partido socialista, publicou violentos artigos em A Montanha, que derivou o seu nome duma das bandeiras estremas da Revolução Francesa. Foi companheiro de José Ingenieros, de Justo B. Justo e de Macedonio Fernández. Em 1897 deu ao prelo o seu primeiro livro de versos As montanhas do ouro, onde advertimos a influência de Hugo (Vitor Hugo) e, quiçá, de Almafuerte. Este, facilmente iracundo, não agradeceu essa proba de admiração e dixo: «Lugones quer rugir, mas não pode. É um Almafuerte para senhoras».Foi professor de literatura no Colégio Nacional e, depois, ouvidor de escolas. Desde 1914, dirigiu em Paris a Revue Sud-Américaine. Professou entre outros o amor da Grécia e o amor da França. Sempre lhe interessou a teosofia, cuja influência é notável nos seus dous livros de relatos As forças estranhas (1906) e Contos fatais (1924), mas converteu-se, nos seus últimos anos, à fé católica, da que antes abominara. Foi diretor da Biblioteca do Mestre. Colaborava com regularidade em La Nación onde conheceu um dos seus contados amigos íntimos, Alberto Gerchunoff. Outro foi o poeta menor Luís Maria Jordán. Fundou e presidiu a Sociedade Argentina de Escritores. Eu estava inimizado com ele; muito generosamente me incluiu na listagem dos vogais.

Louvara-se sempre ser o marido mais fiel de Buenos Aires. A consciência duma infidelidade o levou, contam, à decisão do suicídio. Esta causa não pode ter sido a única. Nunca uma causa é única. Num quarto dum hotel do Tigre, que ainda se mostra aos curiosos, tomou num sol-pôr do ano 1938, uma dose de cianuro. Não tivo tempo de repor o copo na mesa; o copo fixo-se anacos. Muito antes escrevera: «Dono o homem da sua vida,também o é da sua morte». Este conceito é de índole pagã; podemos lembrar a Petrônio, a Sêneca e a Mishima.

[…]

Um poeta não só é um artífice, alguém que faz, embora um homem que sente com intensidade e complexidade. Para Lugones, o descobrimento dum livro ou dum estilo foi uma experiência não menos capital que as outras que teceram a sua vida.

[…]

A obra de Lugones é uma das máximas aventuras do castelhano.

 

NOTA MINHA.- Tentei, ao traduzir o poema, manter, dentro do possível, as rimas consoantes e a musicalidade do verso. Poucas vezes pude consegui-lo. Onde não foi possível substitui as rimas ricas por assoantes e, às vezes, por ecos de rimas. Espero que o leitor saiba me perdoar estes deslizes da minha fraqueza.

Sempre agradecido.

 

O SOLTEIRÃO

 

I

 

Longas brumas violetas

Flutuam no rio gris,

E além nas docas quietas

Sonham escuras goletas

Com um longínquo país.

 

O arraial solitário

Tem a noitinha a seus pés,

E trema o seu campanário

Como vapor visionário

Desse desenho holandês.

 

O crepúsculo perplexo

Entra a uma alcova glacial,

Em cujo embaçado espelho

Com esquivado reflexo

Turva a água do cristal.

 

O leito branco se gela

Junto ao sinistro baú,

Na tachola enferrujada

a aguarela avelhantada

Quadrada de felpo azul.

 

No cabide do armário,

O crucificado frac

Exala um fenol severo,

E sobre o largo tinteiro

Pensa um busto de Balzac.

 

A brisa que vem das campas,

Com alento de malvela,

Abala teias de aranha

Que são imensas pestanas

Da desusada cancela.

 

Lá, entre as nuvens rosas

Atrás vão as andorinhas

De invisíveis mariposas,

Traçam letras misteriosas

Como dando despedidas.

 

E na alcova solitária,

Sobre um coçado sofá

Duma seda centenária,

Junto a sua estufa  precária

Meditando um home ´stá.

 

Deitado em postura inerte

Masca sua pipa de evónimo.

E naquela calma adverte

O que perto está a morte

Do silêncio do relógio!

 

Na sua garganta resseca

Grunhe uma biliosa fez,

E sob a sua frente oca

A verde e negra enxaqueca

Manobra um longo xadrez.

 

Nem gorjeio de alegrias!

Nem clamor de tempestade!

Como nas covas sombrias,

Lá no fundo de seus dias

Boceja uma soidade.

 

E com desmaios estranhos,

Na sua confusa visão

De insípidos desenganos,

Vê chegar os grandes anos

Com suas cargas de algodão.

 

II

 

A inverosímil distância

Há um violino no meio,

Ressuscitando na estância

Como uma ancestral fragrância

Do fumo daquele tédio.

 

E o homem pensa. A sua vista

Lembra das rosas em flor

Dum sombreiro de estilista…,

Aquele pano de batista…,

Nas travessas…, e no cós…

 

E o duelo em praia deserta:

Um…, dous…, três…E o esplender

Duma montada pistola…

E o som grave da onda

Convidando a bem morrer.

 

E ao dar à criança inquieta

A reconquistada flor

Pola persiana discreta,

Sentiu-se herói e poeta

Por uma graça do amor.

 

Epitalâmios de flores

A dita escreveu a dois,

E assim nas tardes de cores

Souberam desses amores

Celestiais… E depois…

 

Agora uma vaga espinha

Lhe punça no coração,

Se sua coquete vizinha

Tira a sua breve botinha

Polos ferros do balcão;

 

E se com voz pura e tersa,

A garota do arraial

Na sua malícia perversa,

Temas picantes conversa

Com o canário jovial;

 

Surge no triste percalço

Dessa tragédia banal:

A noiva…, a flor…, o lanço…,

Vinte anos conta o romanço.

Turgueniev tem um tal qual.

 

Que triste era a sua mirada,

Que iluminada a sua fé

E que leve a sua pisada!

Porque a deixou olvidada?

Se já não sabe o porquê!

 

III

 

Lá no desolado rio

Grisa-se o tom ponçó

Do crepúsculo sombrio,

Como um imperial fastio

Sobre um outono de gró.

 

E o homem medita. É ela

A visão triste que tinha

De remoto nimbo saída;

Uma estragada donzela

Que lhe está aguardando ainda..

 

Vago pavor lhe amedronta,

Vai escrever-lhe por fim

Desde o nirvana que enfronta…

A carta sairá pronta

E na carta irá um jasmim.

 

A pluma em seus dedos pega;

Já a folha tem a doblez;

Sua alma no azul navega.

Em vinte anos de brega

Escreverá “teu” outra vez.

 

Não será trunca n´ambígua

Sua confidência de amor

Sobre esta vitela exígua.

Se essa carta é muito antiga!…

Já está turvo o borrão.

 

Terá seu deleite louco,

Brancas sedas de amizade

Pra esconder seu ígneo fogo.

E a gente rirá um pouco

Desses noivos doutra idade.

 

Ela, a velhinha em seu leve

Candor de virgem senil,

Será um alabastro breve.

Sua aristocracia de neve

Nevará um tardio abril.

 

As suas cãs, paz suprema,

Pola alcova sororal

Darão odor de alfazema,

E estará na suave gema

Do fino dedo o dedal.

 

Cochichará rás do solo

Sua enágua um vago fru-fru,

E com afável consolo

Acolherá no veludo

Sua elegância de bambu!…

 

Assim vai o homem sonhando

Dentro do aposento aquel,

E o seu sonho é doce e brando;

Mas a noite vai chegando

E ainda está branco o papel.

 

Sobre a sua visão de aurora,

Um tenebroso crespão

Os contornos descolora,

Pois a noite vencedora

Se lhe entrou no coração.

 

E como enturvada espuma,

Uma ideia triste vai

Emergindo da sua bruma:

Que bolorenta está a pluma!

A pluma n´escreve já!

 

 

http://k46.kn3.net/taringa/0/5/5/2/C/B/matacristo/7FF.jpg

O LAGO de Alphonse De Lamartine.

O LAGO de Alphonse De Lamartine.

Das minhas traduções

 

O POEMA “O LAGO” DE ALPHONSE DE LAMARTINE TRADUZIDO PARA O GALEGO  E UMA NOTA SOBRE O POEMA.

  

É perto do lago de Bourget, na Saboia, que Lamartine escreveu este célebre poema, uma das obras mestras da literatura em francês e ainda de toda a literatura universal.

 Julie Charles, esposa do célebre físico Jacques Charles (Beaugency, Orléanais, hoje Loiret, 12 de novembro de 1746 – Paris, 7 de abril de 1823), devia se juntar com o poeta em agosto de 1817 no Lago de Bourget, lugar de múltiplos encontros entre os dous amantes, mas a enfermidade dela reteve-a em Paris, onde viu a morrer em dezembro do mesmo ano vitimada pola tísica pulmonar.

 No seu Comentário ao poema, Lamartine fez alusão à música que Niedermeyer (Abraham-Louis de Niedermeyer d’Altenburg, nascido em Nyon, Suíça, 27 de abril de 1802 e morto em 14 de março de 1861 em Paris) compôs sobre Le Lac: “Sempre pensei que a música e a poesia nutriam-se se associando. Ambas são artes completas: A música leva consigo o seu sentimento; os belos versos portam com eles a sua melodia.”

 Os críticos franceses concordam que é, junto com Tristesse d’Olympio de Victor Hugo e Souvenir de Alfred de Musset, o mais belo poema que se tem escrito por autores galos no século XIX.

 

O LAGO

Assim, empurrados sempre para novas ourelas,

Na eterna noite, sem retorno, levados,

Nunca poderemos no oceano dos tempos

deixar um só dia os esteios ancorados?

 

Ó lago!, o ano se tem cumprido apenas,

E estou cá solitário. Suas pegadas

não voltarão deixar nas tuas areias

A que desta rocha, ainda ontem, sereias

Deitou em ti as suas olhadas!

 

E assim como agora, então ressoavas;

Mugindo vais como naqueles dias,

Contra estas penas o teu furor desbravas,

E com a branca espuma o mesmo musgo lavas

Onde os seus pés lambias.

 

Uma tarde, te lembras? Em enlevo supremo

Íamos ela e eu, em silêncio bogando,

E sob o céu azul, de um a outro extremo,

Mas tão só se escuitava o bater do remo

nas ondas cadenciando.

 

E foi que de repente aquele mudo vento

Cativou encantado uma voz divina;

Nunca ninguém sonhara um tão tal doce acento

na água cristalina:

 

“Ó tempo! Suspende tua carreira,

Não quebres nosso enlevo,

Tu, tempo voador.

Deixa-nos gozar por sempre

os mágicos instantes

que cá brinda o amor.

 

“Quantos infelizes cá baixo não te imploram

No teu correr fugaz;;

Toma com os seus dias os seus que os devoram;

Deixa o ditoso em paz.

 

“Mas eu demando em vão que nesta mansa noite

lento mova seu pé;

As estrelas já rodam e no oriente pálido

A aurora já se vê.

 

“Amemos, pois, amemos na hora fugitiva,

Apressados gozemos!

Nem tem o homem porto nem o tempo ribeira;

Que flua e nos passemos!”

 

Por enquanto o mal acerbo dura,

O tempo que à sua vista se adormece,

A roubar-nos a dita se apressura

E o momento que encerra mais doçura,

Fuje e desaparece.

 

E nunca há de voltar o que é passado?

Tudo quanto se foi ficou perdido,

E para sempre o sepulta o fado

Em mudo seio, trás alto valado,

Em sempiterno olvido?

 

Nem ainda guardaremos suas pegadas?

Para onde vão as delícias que devoras,

Que fazeis Eternidade, sombras abismadas,

das deglutidas horas?

 

Ó lago! rochas mudas! covas! selva escura!

Perdoa-vos o tempo ou talvez

Beleza vos torna, a fermosura

Dessa noite guardai. Salva, ó Natura,

Sua lembrança sequer!

 

Perene é o recordo, ó lago,

Em teu recinto, nas suaves frondas

Que te envolvem com ridente afago,

Nestas rochas que com turvo âmago

Colgam sobre tuas ondas!

 

Que seja no zéfiro que treme e que passa,

Nas copas sussurrantes que as folhas humilha,

E na argêntea lua que branqueja sua cara

E que no éter brilha.

 

Que o vento que geme, a roseira que suspira,

Que os perfumes leves que os ares ambientaram,

Quanto aqui se senta, se veja ou se respira,

Tudo diga: eles se amaram!

 

Alphonse de Lamartine (Mâcon, 21 de outubro de 1790 – Paris, 28 de fevereiro de 1869)

 

[Tradução do texto em francês recolhido em “Lamartin. Chefs-d´oeuvre poétiques”, Librairie A. Hatier, Paris, s/d, páginas 13-15]

 

Le Lac

Ainsi, toujours poussés vers de nouveaux rivages,

Dans la nuit éternelle emportés sans retour,

Ne pourrons-nous jamais sur l’océan des âges

Jeter l’ancre un seul jour ?

 

Ô lac ! l’année à peine a fini sa carrière,

Et près des flots chéris qu’elle devait revoir,

Regarde ! je viens seul m’asseoir sur cette pierre

Où tu la vis s’asseoir !

 

Tu mugissais ainsi sous ces roches profondes,

Ainsi tu te brisais sur leurs flancs déchirés,

Ainsi le vent jetait l’écume de tes ondes

Sur ses pieds adorés.

 

Un soir, t’en souvient-il ? nous voguions en silence ;

On n’entendait au loin, sur l’onde et sous les cieux,

Que le bruit des rameurs qui frappaient en cadence

Tes flots harmonieux.

 

Tout à coup des accents inconnus à la terre

Du rivage charmé frappèrent les échos ;

Le flot fut attentif, et la voix qui m’est chère

Laissa tomber ces mots :

 

” Ô temps ! suspends ton vol, et vous, heures propices !

Suspendez votre cours :

Laissez-nous savourer les rapides délices

Des plus beaux de nos jours !

 

” Assez de malheureux ici-bas vous implorent,

Coulez, coulez pour eux ;

Prenez avec leurs jours les soins qui les dévorent ;

Oubliez les heureux.

 

” Mais je demande en vain quelques moments encore,

Le temps m’échappe et fuit ;

Je dis à cette nuit : Sois plus lente ; et l’aurore

Va dissiper la nuit.

 

” Aimons donc, aimons donc ! de l’heure fugitive,

Hâtons-nous, jouissons !

L’homme n’a point de port, le temps n’a point de rive ;

Il coule, et nous passons ! “

 

Temps jaloux, se peut-il que ces moments d’ivresse,

Où l’amour à longs flots nous verse le bonheur,

S’envolent loin de nous de la même vitesse

Que les jours de malheur ?

 

Eh quoi ! n’en pourrons-nous fixer au moins la trace ?

Quoi ! passés pour jamais ! quoi ! tout entiers perdus !

Ce temps qui les donna, ce temps qui les efface,

Ne nous les rendra plus !

 

Éternité, néant, passé, sombres abîmes,

Que faites-vous des jours que vous engloutissez ?

Parlez : nous rendrez-vous ces extases sublimes

Que vous nous ravissez ?

 

Ô lac ! rochers muets ! grottes ! forêt obscure !

Vous, que le temps épargne ou qu’il peut rajeunir,

Gardez de cette nuit, gardez, belle nature,

Au moins le souvenir !

 

Qu’il soit dans ton repos, qu’il soit dans tes orages,

Beau lac, et dans l’aspect de tes riants coteaux,

Et dans ces noirs sapins, et dans ces rocs sauvages

Qui pendent sur tes eaux.

 

Qu’il soit dans le zéphyr qui frémit et qui passe,

Dans les bruits de tes bords par tes bords répétés,

Dans l’astre au front d’argent qui blanchit ta surface

De ses molles clartés.

 

Que le vent qui gémit, le roseau qui soupire,

Que les parfums légers de ton air embaumé,

Que tout ce qu’on entend, l’on voit ou l’on respire,

Tout dise : Ils ont aimé !

 

 

O LAGO DU BOURGET CANTADO POLO POETA.

 

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/28/Lac_du_Bourget_%26_cha%C3%AEne_de_Belledonne.JPG/800px-Lac_du_Bourget_%26_cha%C3%AEne_de_Belledonne.JPG