Das minhas traduções

UM POEMA DE LEOPOLDO LUGONES TRADUZIDO PARA O GALEGO DUMA EDIÇÃO DE JORGE LUÍS BORGES.

 

Leopoldo Lugones é um dos mais celebrados poetas que tem dado a literatura argentina e ainda toda  a literatura escrita em língua castelhana no século XX.

Apanho o poema que vai abaixo da edição “Leopoldo Lugones. Antología Poética. Prólogo y selección de Jorge Luís Borges”, Alianza Editorial, Madrid, 1982, páginas 23-28.

Do prólogo de Borges destaco : “Nasceu em 1874, numa vila da província mediterrânea de Córdoba; em 1938 suicidou-se numa das ilhas do Tigre, esse intrincado e verde arquipélago que se estende ao noroeste da cidade de Buenos Aires. Os seus antepassados foram conquistadores asturianos e militares da nossa Guerra da Independência […] Criou-se no campo, que conheceu e amou minuciosamente. Aos vinte anos, cursados já os seus estudos universitários, foi para Buenos Aires, que lhe daria o que talvez lhe faltara: o diálogo filosófico e literário. No Ateneu tivo amizade com Dario (Rubén Dario). Filiado ao partido socialista, publicou violentos artigos em A Montanha, que derivou o seu nome duma das bandeiras estremas da Revolução Francesa. Foi companheiro de José Ingenieros, de Justo B. Justo e de Macedonio Fernández. Em 1897 deu ao prelo o seu primeiro livro de versos As montanhas do ouro, onde advertimos a influência de Hugo (Vitor Hugo) e, quiçá, de Almafuerte. Este, facilmente iracundo, não agradeceu essa proba de admiração e dixo: «Lugones quer rugir, mas não pode. É um Almafuerte para senhoras».Foi professor de literatura no Colégio Nacional e, depois, ouvidor de escolas. Desde 1914, dirigiu em Paris a Revue Sud-Américaine. Professou entre outros o amor da Grécia e o amor da França. Sempre lhe interessou a teosofia, cuja influência é notável nos seus dous livros de relatos As forças estranhas (1906) e Contos fatais (1924), mas converteu-se, nos seus últimos anos, à fé católica, da que antes abominara. Foi diretor da Biblioteca do Mestre. Colaborava com regularidade em La Nación onde conheceu um dos seus contados amigos íntimos, Alberto Gerchunoff. Outro foi o poeta menor Luís Maria Jordán. Fundou e presidiu a Sociedade Argentina de Escritores. Eu estava inimizado com ele; muito generosamente me incluiu na listagem dos vogais.

Louvara-se sempre ser o marido mais fiel de Buenos Aires. A consciência duma infidelidade o levou, contam, à decisão do suicídio. Esta causa não pode ter sido a única. Nunca uma causa é única. Num quarto dum hotel do Tigre, que ainda se mostra aos curiosos, tomou num sol-pôr do ano 1938, uma dose de cianuro. Não tivo tempo de repor o copo na mesa; o copo fixo-se anacos. Muito antes escrevera: «Dono o homem da sua vida,também o é da sua morte». Este conceito é de índole pagã; podemos lembrar a Petrônio, a Sêneca e a Mishima.

[…]

Um poeta não só é um artífice, alguém que faz, embora um homem que sente com intensidade e complexidade. Para Lugones, o descobrimento dum livro ou dum estilo foi uma experiência não menos capital que as outras que teceram a sua vida.

[…]

A obra de Lugones é uma das máximas aventuras do castelhano.

 

NOTA MINHA.- Tentei, ao traduzir o poema, manter, dentro do possível, as rimas consoantes e a musicalidade do verso. Poucas vezes pude consegui-lo. Onde não foi possível substitui as rimas ricas por assoantes e, às vezes, por ecos de rimas. Espero que o leitor saiba me perdoar estes deslizes da minha fraqueza.

Sempre agradecido.

 

O SOLTEIRÃO

 

I

 

Longas brumas violetas

Flutuam no rio gris,

E além nas docas quietas

Sonham escuras goletas

Com um longínquo país.

 

O arraial solitário

Tem a noitinha a seus pés,

E trema o seu campanário

Como vapor visionário

Desse desenho holandês.

 

O crepúsculo perplexo

Entra a uma alcova glacial,

Em cujo embaçado espelho

Com esquivado reflexo

Turva a água do cristal.

 

O leito branco se gela

Junto ao sinistro baú,

Na tachola enferrujada

a aguarela avelhantada

Quadrada de felpo azul.

 

No cabide do armário,

O crucificado frac

Exala um fenol severo,

E sobre o largo tinteiro

Pensa um busto de Balzac.

 

A brisa que vem das campas,

Com alento de malvela,

Abala teias de aranha

Que são imensas pestanas

Da desusada cancela.

 

Lá, entre as nuvens rosas

Atrás vão as andorinhas

De invisíveis mariposas,

Traçam letras misteriosas

Como dando despedidas.

 

E na alcova solitária,

Sobre um coçado sofá

Duma seda centenária,

Junto a sua estufa  precária

Meditando um home ´stá.

 

Deitado em postura inerte

Masca sua pipa de evónimo.

E naquela calma adverte

O que perto está a morte

Do silêncio do relógio!

 

Na sua garganta resseca

Grunhe uma biliosa fez,

E sob a sua frente oca

A verde e negra enxaqueca

Manobra um longo xadrez.

 

Nem gorjeio de alegrias!

Nem clamor de tempestade!

Como nas covas sombrias,

Lá no fundo de seus dias

Boceja uma soidade.

 

E com desmaios estranhos,

Na sua confusa visão

De insípidos desenganos,

Vê chegar os grandes anos

Com suas cargas de algodão.

 

II

 

A inverosímil distância

Há um violino no meio,

Ressuscitando na estância

Como uma ancestral fragrância

Do fumo daquele tédio.

 

E o homem pensa. A sua vista

Lembra das rosas em flor

Dum sombreiro de estilista…,

Aquele pano de batista…,

Nas travessas…, e no cós…

 

E o duelo em praia deserta:

Um…, dous…, três…E o esplender

Duma montada pistola…

E o som grave da onda

Convidando a bem morrer.

 

E ao dar à criança inquieta

A reconquistada flor

Pola persiana discreta,

Sentiu-se herói e poeta

Por uma graça do amor.

 

Epitalâmios de flores

A dita escreveu a dois,

E assim nas tardes de cores

Souberam desses amores

Celestiais… E depois…

 

Agora uma vaga espinha

Lhe punça no coração,

Se sua coquete vizinha

Tira a sua breve botinha

Polos ferros do balcão;

 

E se com voz pura e tersa,

A garota do arraial

Na sua malícia perversa,

Temas picantes conversa

Com o canário jovial;

 

Surge no triste percalço

Dessa tragédia banal:

A noiva…, a flor…, o lanço…,

Vinte anos conta o romanço.

Turgueniev tem um tal qual.

 

Que triste era a sua mirada,

Que iluminada a sua fé

E que leve a sua pisada!

Porque a deixou olvidada?

Se já não sabe o porquê!

 

III

 

Lá no desolado rio

Grisa-se o tom ponçó

Do crepúsculo sombrio,

Como um imperial fastio

Sobre um outono de gró.

 

E o homem medita. É ela

A visão triste que tinha

De remoto nimbo saída;

Uma estragada donzela

Que lhe está aguardando ainda..

 

Vago pavor lhe amedronta,

Vai escrever-lhe por fim

Desde o nirvana que enfronta…

A carta sairá pronta

E na carta irá um jasmim.

 

A pluma em seus dedos pega;

Já a folha tem a doblez;

Sua alma no azul navega.

Em vinte anos de brega

Escreverá “teu” outra vez.

 

Não será trunca n´ambígua

Sua confidência de amor

Sobre esta vitela exígua.

Se essa carta é muito antiga!…

Já está turvo o borrão.

 

Terá seu deleite louco,

Brancas sedas de amizade

Pra esconder seu ígneo fogo.

E a gente rirá um pouco

Desses noivos doutra idade.

 

Ela, a velhinha em seu leve

Candor de virgem senil,

Será um alabastro breve.

Sua aristocracia de neve

Nevará um tardio abril.

 

As suas cãs, paz suprema,

Pola alcova sororal

Darão odor de alfazema,

E estará na suave gema

Do fino dedo o dedal.

 

Cochichará rás do solo

Sua enágua um vago fru-fru,

E com afável consolo

Acolherá no veludo

Sua elegância de bambu!…

 

Assim vai o homem sonhando

Dentro do aposento aquel,

E o seu sonho é doce e brando;

Mas a noite vai chegando

E ainda está branco o papel.

 

Sobre a sua visão de aurora,

Um tenebroso crespão

Os contornos descolora,

Pois a noite vencedora

Se lhe entrou no coração.

 

E como enturvada espuma,

Uma ideia triste vai

Emergindo da sua bruma:

Que bolorenta está a pluma!

A pluma n´escreve já!

 

 

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