por Andre da Ponte | Abr 25, 2017 | Autores/as, Creación
Se algum dia, infeliz, triste renego
da luz que tu me deste do teu seio
que fique tolhida a alma que carreio
e me ache sem siso, sombrio e cego.
E se algum dia abjuro do aconchego
dos bicos que deste em afagueio,
vede-se a minha vida no gradeio
do esqueço e no mais baixo desapego.
Se algum dia renuncio àquela aurora
e a todo o que derramaste em minha alma
e que aqui se afiança em sentimento,
que o meu coração se trilhe nessa hora
e mais não tenha já gota de calma,
nem sequer seja eco levado ao vento.
(Do livro inédito SONATA DUM QUEBRADO VIOLINO)
por Andre da Ponte | Abr 8, 2017 | Autores/as, Creación
Bigorna da lembrança pensativa,
gravarei em ti a marca da saudade,
vestígios da negra tempestade
na chancela da mágoa cautiva.
Os remorsos serão a linha viva
das gravuras que vêm desde outra idade.
Duro será o traço à fidelidade
desta escura minha dor incisiva.
Incude, em ti pancadas baterão
nos recordos remotos que acarreto,
no áspero e quente lume que me dão.
E sendo preso ao pesar que submeto,
nos versos, sem receio, cantarão
os catorze martelos do soneto.
(Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”)
*Imagem apanhada no google da página Culturamix.com
por Andre da Ponte | Abr 7, 2017 | Autores/as, Creación
Que distante fica já a melancolia
do apagado tempo na sua fogueira,
onde levantou arvoredas e nuvens
Afrodite da lágrima e da mirra.
Que longe dura tudo quando torno
reler, mesmo com piedade, o canto
sem pisca de devastação nenhuma,
como o dourado sol-pôr na primavera
deixa no ar a alma cheirando em cinza.
Que perto abunda a tristeza transparente
de ser sereno amante, já agora
numa terra prendida às codesseiras.
Que delicado ser ininterrupta e desmedida
cadeia de laços em eternos instantes
onde a aurora olha-se no entardecer.
Que doce ser para sempre demora
como a derradeira obrigação do homem.
(Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”)
por Andre da Ponte | Abr 5, 2017 | Autores/as, Creación
MOINHO DE MERRA (SÃO SALVADOR DE PARGA)
Para Hortensia González Cabado,
por tantas cousas que os recordos guiam e que choram na alma.
Colmava tua alegria o pão da terra
no teu lento rolar afeito ao rio,
firme torre ao costume do esvazio,
ilha insone que ao seu rolar se aferra.
De granito, luz e som, tua alma encerra
a fecunda paixão feita no estio,
a curva agilidade do feitio,
a encetada soidade que se soterra.
Se repousam teus lábios prostrados,
cansos do singelo labor do trigo
para os sucos morosos cancelados,
há lembranças do teu rolar amigo
e ficaram os cantos prorrogados
hoje a tornarem com sabor antigo.