PÓRTICO DA FIRMEZA

Se algum dia, infeliz, triste renego

da luz que tu me deste do teu seio

que fique tolhida a alma que carreio

e me ache sem siso, sombrio e cego.

 

E se algum dia abjuro do aconchego

dos bicos que deste em afagueio,

vede-se a minha vida no gradeio

do esqueço e no mais baixo desapego.

 

Se algum dia renuncio àquela aurora

e a todo o que derramaste em minha alma

e que aqui se afiança em sentimento,

 

que o meu coração se trilhe nessa hora

e mais não tenha já gota de calma,

nem sequer seja eco levado ao vento.

(Do livro inédito SONATA DUM QUEBRADO VIOLINO)

PROPÓSITO

PROPÓSITO

Bigorna da lembrança pensativa,

gravarei em ti a marca da saudade,

vestígios da negra tempestade

na chancela da mágoa cautiva.

 

Os remorsos serão a linha viva

das gravuras que vêm desde outra idade.

Duro será o traço à fidelidade

desta escura minha dor incisiva.

 

Incude, em ti pancadas baterão

nos recordos remotos que acarreto,

no áspero e quente lume que me dão.

 

E sendo preso ao pesar que submeto,

nos versos, sem receio, cantarão

os catorze martelos do soneto.

(Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”)

 

*Imagem apanhada no google da página Culturamix.com

CONCERTINO

Que distante fica já a melancolia

do apagado tempo na sua fogueira,

onde levantou arvoredas e nuvens

Afrodite da lágrima e da mirra.

Que longe dura tudo quando torno

reler, mesmo com piedade, o canto

sem pisca de devastação nenhuma,

como o dourado sol-pôr na primavera

deixa no ar a alma cheirando em cinza.

Que perto abunda a tristeza transparente

de ser sereno amante, já agora

numa terra prendida às codesseiras.

Que delicado ser ininterrupta e desmedida

cadeia de laços em eternos instantes

onde a aurora olha-se no entardecer.

Que doce ser para sempre demora

como a derradeira obrigação do homem.

(Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”)

MOINHO DE MERRA (SÃO SALVADOR DE PARGA)

MOINHO DE MERRA (SÃO SALVADOR DE PARGA)

Para Hortensia González Cabado,

por tantas cousas que os recordos guiam e que choram na alma.

Colmava tua alegria o pão da terra

no teu lento rolar afeito ao rio,

firme torre ao costume do esvazio,

ilha insone que ao seu rolar se aferra.

 

De granito, luz e som, tua alma encerra

a fecunda paixão feita no estio,

a curva agilidade do feitio,

a encetada soidade que se soterra.

 

Se repousam teus lábios prostrados,

cansos do singelo labor do trigo

para os sucos morosos cancelados,

 

há lembranças do teu rolar amigo

e ficaram os cantos prorrogados

hoje a tornarem com sabor antigo.