Clair de Lune, poema de Paul Verlaine (Metz, no nordeste da França, 30 de março de 1844 – Paris, 8 de janeiro de 1896), da sua coleção Fêtes galantes (1869), foi musicado por Gabriel Fauré em 1887 (Clair de Lune, Op.46 nº 2) e por Claude Debussy duas vezes, em 1882 e novamente em 1892.
O texto original em francês foi tirado da edição Œuvres complètes – Tome I, Vanier, 1902, página 83.
Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.
Tout en chantant sur le mode mineur
L’amour vainqueur et la vie opportune
Ils n’ont pas l’air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,
Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d’extase les jets d’eau,
Les grands jets d’eau sveltes parmi les marbres.
Le vent de l’autre nuit a jeté bas l’Amour Qui, dans le coin le plus mystérieux du parc, Souriait en bandant malignement son arc, Et dont l’aspect nous fit tant songer tout un jour!
Le vent de l’autre nuit l’a jeté bas ! Le marbre Au souffle du matin tournoie, épars. C’est triste De voir le piédestal, où le nom de l’artiste Se lit péniblement parmi l’ombre d’un arbre,
Oh! c’est triste de voir debout le piédestal Tout seul! Et des pensers mélancoliques vont Et viennent dans mon rêve où le chagrin profond Évoque un avenir solitaire et fatal.
Oh! c’est triste! – Et toi-même, est-ce pas! es touchée D’un si dolent tableau, bien que ton oeil frivole S’amuse au papillon de pourpre et d’or qui vole Au-dessus des débris dont l’allée est jonchée.
Por vezes tenho um sonho muito estranho e pungente
De uma ignota mulher, que eu quero e que ela me quer,
E que não é, é certo, uma única mulher
Nem bem outra, de fato, que me ama e que me sente.
Pois é que ela entende o meu coração, transparente
Para ela só, ai!, não é um problema qualquer
Só pra ela, e a minha testa pálida, se quiser,
Chorando, ela mudaria em frescor envolvente.
É castanha ela, quiçá loira ou ruiva? Isso ignoro
O seu nome? Eu lembro que ele é doce e sonoro,
Como os amantes que a vida exilou para além.
Sua olhada é igual à duma estátua antiga
Com uma voz distante, calma e séria ela tem
As seguras inflexões de muda voz amiga.
MON RÊVE FAMILIER
Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D’une femme inconnue, et que j’aime, et qui m’aime,
Et qui n’est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m’aime et me comprend.
Car elle me comprend, et mon cœur, transparent
Pour elle seule, hélas ! cesse d’être un problème
Pour elle seule, et les moiteurs de mon front blême,
Elle seule les sait rafraîchir, en pleurant.
Est-elle brune, blonde ou rousse ? — Je l’ignore.
Son nom ? Je me souviens qu’il est doux et sonore,
Comme ceux des aimés que la Vie exila.
Son regard est pareil au regard des statues,
Et, pour sa voix, lointaine, et calme, et grave, elle a
L’inflexion des voix chères qui se sont tues.
(De Poèmes saturniens, Vanier, 1902, Œuvres complètes, volume I(p. 15).).
ARTHUR RIMBAUD, UM GÉNIO MORTO PARA A POESIA PREMATURAMENTE
O SONETO “AS VOGAIS” VERTIDO PARA GALEGO-PORTUGUÊS
Arthur
Rimbaud, que foi nascido em Charleville em 20 de outubro de 1854 e na pia
baptismal punheram-lhe o nome de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, escreveu todas as
suas obras-primas entre os quinze e os dezaoito anos, um caso espantoso de
precocidade genial.
Considerado pola crítica como uma figura a cavalo entre o pós-romantismo e precursor do surrealismo, muda-se para Paris com dezasete anos com o apoio de outro poeta maldito, Paul Verlaine (alguns poemas traduzidos deste autor são acessíveis aqui: http://culturaliagz.com/?s=Paul+Verlaine). Foi por causa do envio do soneto que hoje traduzimos para o poeta de Poemas Saturninos que os dous poetas partem para Londres. A relação de mútuo amor e ódio chega ao seu fim quando Paul Verlaine desfecha uma bala no pulso do autor do soneto As vogais.
Com
apenas vinte anos de idade, Rimbaud abandonou para sempre a literatura para
retomar a vida sem rumo que levou quando adolescente.
Começou a trabalhar com comércio de café na Etiópia, chegou a fazer parte do
Exército das colônias holandesas e do tráfico de armas em Ogaden e visitou o
Chipre e Alexandria. A sua caminhada errante terminou quando lhe foi amputada
uma perna por um cáncer de joelho.
Morreu
no dia 10 de novembro de 1891 em Marselha, após anos de agonia com a só companhia
da sua irmã Isabel. Tinha apenas trinta e sete anos de idade.
O soneto que postamos se tornou junto com Le Cœur supplicié (O Coração torturado), o poema mais comentado do poeta. Claude Lévi-Strauss em Regarder écouter lire, Plon,1993, páginas 127-137, tem explicado o pensamento oculto do poema, não por uma relação direta entre as vogais e as cores declaradas no primeiro verso, mas por uma analogia entre duas oposições, a oposição entre vogais por um lado, e as cores por outro.
Contudo, ainda resultando bastante enigmático o poema, a sonoridade imensa
que tem para o leitor obra como uma sorte de fascinação além do sentido que se
lhe queira ou poda dar.
Há,
polo menos, duas versões manuscritas antigas do soneto: a primeira é da mão de
Rimbaud (a versão autógrafa da mão de Rimbaud é mantida no Musée Rimbaud em
Charleville-Mézières) e foi dada ao poeta e dramaturgo Emile Blemont; a segunda
é uma cópia de Verlaine de 1871. A sua diferença é essencialmente em pontuação.
Foi
Verlaine quem publicou o soneto, na edição de 5 a 12 de outubro de 1883 da
revista Lutèce.
Reproduço
o soneto em francês segundo a edição “Poemas completos”, prefaciados por Paul
Verlaine, Leon Vanier, bibliotecário, ed., París, 1895, página 7.
Na
tradução tentei deixar os versos alexandrinos franceses (versos compostos de
dous hemistíquios (ou sub-versos) de seis sílabas cada, com um total de doze
sílabas). Assim os versos em galego-português têm também doze sílabas, embora,
por vezes foi impossível conseguir os hemistíquios.
VOGAIS
A negro, E branco,
I rubro, U verde, O azul: vogais,
A noir, E blanc, I rouge,
U vert, O bleu, voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes.
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombillent autour des puanteurs cruelles,
Golfe d’ombre ; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lance des glaciers fiers, rois blancs, frissons d’ombelles
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;
U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d’animaux, paix des rides
Que l’alchimie imprime aux grands fronts studieux;
O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges:
— O l’Oméga, rayon violet de Ses Yeux!
* FOTO DE PAUL VERLAINE (à direita) e ARTHUR RIMBAUD (à esquerda) em Bruxelas, 1873.