ARTHUR RIMBAUD, UM GÉNIO MORTO PARA A POESIA PREMATURAMENTE
O SONETO “AS VOGAIS” VERTIDO PARA GALEGO-PORTUGUÊS
Arthur Rimbaud, que foi nascido em Charleville em 20 de outubro de 1854 e na pia baptismal punheram-lhe o nome de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, escreveu todas as suas obras-primas entre os quinze e os dezaoito anos, um caso espantoso de precocidade genial.
Considerado pola crítica como uma figura a cavalo entre o pós-romantismo e precursor do surrealismo, muda-se para Paris com dezasete anos com o apoio de outro poeta maldito, Paul Verlaine (alguns poemas traduzidos deste autor são acessíveis aqui: http://culturaliagz.com/?s=Paul+Verlaine). Foi por causa do envio do soneto que hoje traduzimos para o poeta de Poemas Saturninos que os dous poetas partem para Londres. A relação de mútuo amor e ódio chega ao seu fim quando Paul Verlaine desfecha uma bala no pulso do autor do soneto As vogais.
Com apenas vinte anos de idade, Rimbaud abandonou para sempre a literatura para retomar a vida sem rumo que levou quando adolescente.
Começou a trabalhar com comércio de café na Etiópia, chegou a fazer parte do
Exército das colônias holandesas e do tráfico de armas em Ogaden e visitou o
Chipre e Alexandria. A sua caminhada errante terminou quando lhe foi amputada
uma perna por um cáncer de joelho.
Morreu no dia 10 de novembro de 1891 em Marselha, após anos de agonia com a só companhia da sua irmã Isabel. Tinha apenas trinta e sete anos de idade.
O soneto que postamos se tornou junto com Le Cœur supplicié (O Coração torturado), o poema mais comentado do poeta. Claude Lévi-Strauss em Regarder écouter lire, Plon,1993, páginas 127-137, tem explicado o pensamento oculto do poema, não por uma relação direta entre as vogais e as cores declaradas no primeiro verso, mas por uma analogia entre duas oposições, a oposição entre vogais por um lado, e as cores por outro.
Contudo, ainda resultando bastante enigmático o poema, a sonoridade imensa que tem para o leitor obra como uma sorte de fascinação além do sentido que se lhe queira ou poda dar.
Há, polo menos, duas versões manuscritas antigas do soneto: a primeira é da mão de Rimbaud (a versão autógrafa da mão de Rimbaud é mantida no Musée Rimbaud em Charleville-Mézières) e foi dada ao poeta e dramaturgo Emile Blemont; a segunda é uma cópia de Verlaine de 1871. A sua diferença é essencialmente em pontuação.
Foi Verlaine quem publicou o soneto, na edição de 5 a 12 de outubro de 1883 da revista Lutèce.
Reproduço o soneto em francês segundo a edição “Poemas completos”, prefaciados por Paul Verlaine, Leon Vanier, bibliotecário, ed., París, 1895, página 7.
Na tradução tentei deixar os versos alexandrinos franceses (versos compostos de dous hemistíquios (ou sub-versos) de seis sílabas cada, com um total de doze sílabas). Assim os versos em galego-português têm também doze sílabas, embora, por vezes foi impossível conseguir os hemistíquios.
VOGAIS
A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
desvendarei um dia vossas bases latentes:
A, negro espartilho das moscas reluzentes
Que zumbam à volta dos agres lamaçais,
E, candor de nevoeiros, tendas, de reais,
Lanças de gelos, reis brancos, flores trementes
I, vermelho, cuspindo sangue dentre os dentes
os risos dos lábios raivosos e sensuais;
U, divino abalo dos verdes oceanos,
Paz de fezes cheias de bestas, paz dos anos
Que as rugas grava a alquimia dos escolhos;
Ó Clarim sumo cheio de estrondos profundos,
Silêncios abalados por Anjos e Mundos;
— Ô Omega, raio vermelho dos Seus Olhos!
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VOYELLES
A noir, E blanc, I rouge,
U vert, O bleu, voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes.
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombillent autour des puanteurs cruelles,
Golfe d’ombre ; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lance des glaciers fiers, rois blancs, frissons d’ombelles
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;
U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d’animaux, paix des rides
Que l’alchimie imprime aux grands fronts studieux;
O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges:
— O l’Oméga, rayon violet de Ses Yeux!
* FOTO DE PAUL VERLAINE (à direita) e ARTHUR RIMBAUD (à esquerda) em Bruxelas, 1873.