UM GRANDE POETA ITALIANO, TORQUATO TASSO, PARA ALÉM DA JERUSALÉM LIBERADA.

            Tasso nasceu em 11 de março de1544 em Sorrento dentro duma família aristocrática. Sua mãe Portia dei Rossi era napolitana de origem. Tasso nasceu quando seu pai, Bernardo Tasso, estava ausente agindo como secretário e poeta cortesano de Ferrante Sanseverino, príncipe de Salerno. O pai voltou a Sorrento em janeiro de 1545; no verão do mesmo ano, o futuro grande poeta foi levado para Salerno, onde passou a sua primeira infância. A partir de 1550 morou com a sua família em Nápoles. Tasso estudou no Colégio do mosteiro beneditino de Cava de Tirreni (onde está a tumba de Urbano II, o Papa que proclamara a Primeira Cruzada) desempenhando brilhantemente os estudos de latim, grego e retórica. Em 1554, Bernardo Tasso recebeu a permissão para poder morar em Roma  e Torquato Tasso viajou só com seu pai. Na cidade pontifícia foi Bernardo quem educou seu filho em particular, e ambos sofreram um grave trauma quando em fevereiro de 1556 souberam da morte de Porzia, provavelmente envenenada polos irmãos por razões de interesse (muito versomilmente para não pagar a dote). Logo após a infeliz perda da esposa e mãe, Bernardo Tasso enviou seu filho para seus pais em Bergamo, enquanto ele mesmo ficava em Urbino, com Guidobaldo de Urbino. Alguns meses depois, o filho juntou-se a ele; aquí, na cidade de Urbino estudou com Francesco Maria II Della Rovere, filho de Guidobaldo, e Guidobaldo Del Monte, então ilustre matemático. Neste período teve como professores o poligrafo Girolamo Muzio, o poeta local Antonio Galli e o matemático Federico Commandino. Torquato passou apenas o verão em Urbino, como a corte passou o inverno em Pesaro Tasso entrou em contato com o poeta Bernardo Cappello e Dionigi Atanagi, e escreveu a primeira composição que conhecemos: um soneto em louvor da corte. Tasso envolveu-se, na altura, na leitura dos grandes poetas clássicos, especialmente Virgílio e Homero. Na primavera de 1559, Bernardo foi a Veneza para o lançamento do seu poema “Amadigi” e o grande poeta seguiu o pai. Neste momento, Torquato compõe os poemas que foram incluídos na coleção coletiva de 1561 e concebe o poema “Rinaldo”, onde o cavaleiro perfeito desenha a ambição e o amor pola dama, notando-se, sobremaneira, as influências diretas de Virgílio. Temente o pai dos conflictos desatados entre o imperador Felipe II e o papa Pablo IV e que os espanhóis pareciam estar prestes a atacar a cidade, enviou Torquato para Bergamo no Palazzo Tasso e para a Villa dei Tasso com alguns parentes e ele se refugiou na corte de Urbino Guidobaldo II Della Rovere, juntando-se o pai alguns meses depois. Nos seus tempos livres, Torquato estudou muito a Platão e Aristóteles, dedicou-se a Dante e escreveu comentários sobre a “Divina Comédia”. Em 1560, seu pai enviou o filho para Pádua com a finalidade que estudasse jurisprudência, actividade que poderia fornecer-lhe no futuro uma segura estabilidade económica; porém, na universidade, Tasso esteve muito mais envolvido na poesia e na filosofia do que com os estudos legislativos. Em 1562, o seu poema “Rinaldo”, longo poema em doze cantos que se pode considerar como o antecedente da sua monumental “Jerusalén liberada” (Gerusalemme liberata) foi publicado em Veneza. O grande poeta tinha na altura apenas 18 anos. Em 1563 e no início de 1564, Torquato continuou os seus estudos em Bolonha, mas foi expulso da cidade por causa de certos poemas satíricos.

            Por convite do Príncipe Schipione Gonzaga, Torquato vai para Pádua, continua estudando e é admitido como membro da Academia degli Eterei (Academia dos Etéreos) onde adota o sobrenome de Pentito (Arrepentido); nessa academia lê os seus poemas frente a um erudito e versado público que fica admirado do seu enorme talento. No verão de 1564 em Mântua, conhece e se apaixona primeiro por Lucrezia Bendiddio e depois por Laura Peperara, a quem dedicou vários poemas. Formado já na Universidade, no verão de 1565 e a convite do Cardeal Luigi D’Este (irmão do Duque de Ferrara) chegou a Ferrara. Foi recebido favoravelmente na corte do Duque Afonso II de Ferrara: a sua erudição e talento poético deram um novo brilho à corte. No início, Tasso ficou cego pola corte de Ferrara e foi especialmente apreciado polas suas damas da corte, lideradas por Marfisa d’Este e as irmãs do Duque, Lucrécia e Leonor. Foi ali que Tasso se reuniu com escritores famosos, incluindo Battista Guarini e Giovan Battista Pigna e foi neste período quando o grande poeta escreveu a primeira cruzada do seu grandioso poema “A Jerusalém liberada” dando-lhe o nome de Gottifredo. Em 1566 os cantos já eram seis e irão aumentar nos anos seguintes. Em 1568 publicou as “Considerações sobre três canções do Giovan Battista Pigna”, onde surgiu a concepção platônica e estilística que Tasso tinha do amor, com algumas notas, no entanto, bastante peculiares, que o levaram a reconhecer o divino em tudo que é belo. e definir o amor puramente físico como uma matriz sobrenatural. Os conceitos foram reafirmados nas “Cinquenta conclusões de amor” publicadas dous anos depois. Os primeiros dez anos em Ferrara foram o período mais feliz da vida de Tasso, em que o poeta viveu apreciado por senhoras e senhores polo seu talento poético e a elegância mundana. Em outubro de 1570, Tasso, juntamente com o cardeal Luigi D’Este, foi para a França, onde conheceu o gigante da poesia Pierre Ronsard (a tradução feita por mim do seu soneto mais célebre: “Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle” pode-se lido aqui: http://culturaliagz.com/?s=Pierre+Ronsard); no entanto, em março do ano seguinte, devido a dificuldades financeiras, o seu empregador deixou Paris. Após o seu retorno não demorou muito em Ferrara; a partir de janeiro de 1572 recebeu um salário na corte do duque, sem desempenhar nenhuma função específica; Acompanhou o duque em viagens a Roma, Pesaro, Veneza. Em 1573, Tasso escreveu o drama pastoral “Aminta”, que é uma das suas obras mais famosas. A obra colossal a “Jerusalém libertada” foi concluída em abril de 1575. Uma vez concluída visitou Roma para o Ano Jubilar. Ao longo de 1576 trabalhou diligentemente, às vezes dolorosamente, para aprimorar o poema. Em abril do mesmo ano, na Páscoa, visitou Módena. En setembro, houve um confronto público entre Tasso e um tal Ercole Fucci, durante o qual o poeta recebeu um golpe na cabeça com um pau. Retornou a Módena, onde compôs poemas em homenagem à poetisa e compositora musical  Tarquinia Molza (Módena, 1 de novembro de 1542–Módena, 8 de agosto de 1617)  e, por fim, voltou para Ferrara em janeiro de 1577.

            Segundo o célebre historiador da literatura italiana Mikhail Leonidovich Andreiev (veja-se a sua monumental История литературы Италии. Том II. Возрождение. Книга 2. Чинквеченто. М., ИМЛИ РАН. —2010. (História da Literatuta Italina. Volume II. Cinquecento. Reavivamento. Livro. M. Ili Ran, 2010): “Em meados dos anos 70 começou a mostrar mais e mais óbvios sinais de mania persecutória, tornando-se medos obsessivos e alcançado o clímax em 1 de junho de 1577 com um ataque de loucura: atacou um servo com uma faca antes de Lucretia D’ Este. Foi submetido no palácio ducal, mas conseguiu fugir na noite do 27 de Julho disfarçado e cruzou a Itália para ir para Sorrento junto da sua irmã… e no seguinte ano e meio passou a viajar entre Roma, Mântua, Veneza, Pesaro e Turim até fevereiro 1579. Voltou novamente para Ferrara, na véspera do casamento do Duque e Margarita Gonzaga. No clímax das celebrações de casamento, em 11 de março, o dia do se aniversário de trinta e cinco anos, a loucura voltou mais uma vez e atacou os cortesãos com ameaças e, ainda que não foi enviado para a prisão, embora para o hospital, foi colocado numa cadeia como um polícia de vigiada”.

            Tasso, segundo indicam estudos recentes, não era simplesmente preso por uma melancolia, mas era ocasionalmente surpreendido polos excessos da mania, por ser perigoso para si mesmo e para os outros, mas mesmo que esses desequilíbrios devessem ter realmente se manifestado, não justificam a tese da loucura ou a necessidade de remover Tasso da corte por um período tão longo. Portanto, com boa probabilidade, a principal razão deve estar ligada mais uma vez com as tentativas estúpidas de recorrer à Inquisição Romana, e a prisão era a única maneira de não comprometer o relacionamento da corte ducal com os Estados Pontifícios.

            No hospital de Santa Ana, o poeta finalmente passou sete anos, mas suas condições de detenção nem sempre foram duras (recomendo com vivo interesse se olhe a pintura de Eugène Delacroix, “Tasso no hospital de Sant’Anna”, estarrecedora recriação da detenção do genial poeta). Às vezes era levado para a cidade e, aparentemente, às vezes podia andar pola rua, o que torna muito provável que Tasso conhecesse Michel Montaigne, que estava em Ferrara em novembro de 1580. E, de fato, nos “Ensaios” é mencionada a lamentável condição do grande poeta italiano; no entanto, no seu diário de viagem, Montaigne negligencia esse encontro (hipotético!). Em julho de 1586, um amigo de Tasso, Vincenzo Gonzaga levou o poeta a Mântua, onde poderia trabalhar em relativa paz, mas logo houve um novo episódio de doença. Em outubro de 1587, Tasso escapou do hospital, foi para Roma através de Bolonha e, em março de 1588, chegou a Nápoles e estabeleceu-se no mosteiro de Olivetan.

            Em novembro de 1588, Tasso voltou a Roma, onde viveu sob o patrocínio de Sipione Gonzaga até agosto de 1589; Devido ao comportamento inadequado foi expulso e retornou ao mosteiro. Em 1590-1591 viveu por sua vez em Florença, Roma e Mântua. Em janeiro de 1592, a convite de Matteo di Cápua foi para Nápoles. Nos últimos anos da sua vida, o poeta criou uma nova versão da sua obra principal: o longo poema em vinte cantos “A Jerusalém conquistada”, que está de acordo com os princípios ideológicos da Contra-Reforma. 1594 recebeu um convite do Papa para acudir a Roma como grande poeta e ser coroado em Campidoglio, mas não há certeza sobre isso e o mais provável é que fosse um delírio do próprio poeta. Tasso em abril de 1595 entrou no mosteiro de São Onofre, no Gianicolo onde, ao que parecia, o ar era mais curativo para ele. Em 25 de abril de 1595, antes de chegar à coroação, Torquato Tasso morre. O grande poeta está enterrado no Trastevere, na igreja de Sant’Onofrio al Gianicolo, localizada no Janículo, parte do rio Trastevere, em Roma.

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A tradução é feita com um soneto de onze sílabas.

O texto em italiano foi recolhido de: “Poesia italiana. Il Cinquecento, a cura di Giulio Ferroni”, Aldo Garzanti Editore, 1978, página 55.

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Enquanto o pêlo de ouro balança entorno

da extensa frente com gracioso error;

enquanto que de vermelhão e linda cor

A primavera o seu rosto faz o adorno.

Enquanto o céu límpido abre em seu retorno,

pegai, ó raparigas, a vaga flor

dos seus mais doces anos; e com amor

conservai vosso semblante sem trastorno.

virá depois o inverno, de branca neve

vestir as colinas e cobrir a rosa

e as chuvas tornarão árduas e tristes.

Colhei, tolas, a flor, porque ela é breve,

e muito fugaz é a hora, e o clima adoça

e ao fim corre rápido quanto vistes.

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MENTRE CHE L´AUREO CRIN V´ONDEGGIA INTORNO

Mentre che l’aureo crin v’ondeggia intorno

a l’ampia fronte con leggiadro errore;

mentre che di vermiglio e bel colore

vi fa la primavera al volto adorno.

Mentre che v’apre il ciel puro il giorno,

cogliete, o giovinette, il vago fiore

de vostri più dolci anni; e con amore

state sovente in lieto e bel soggiorno.

Verrà poi’l verno, che di bianca neve

soul i poggi vestir, coprir la rosa

e le pioggie tornar aride e meste.

Cogliete, ah stolte, il fior, ah siate preste,

che fugaci son l’ore, è’l tempo lieve

e veloce a la fin corre ogni cosa.

Torquato Tasso

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Imagem: “Torquato Tasso e Leonora d’Este”. Pintura de Felice Schiavoni (Trieste, 19 de março de 1803 – Trieste, 30 de janeiro de 1868).  

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