Hoje volto a vós, campos dolorosos,
órfãos já de trinados e de pegas,
nas lembranças que vão andando às cegas,
nos trêmulos vapores vagorosos,
nas brêtemas bronzeadas de opalino,
nas pegadas dos corços temerosos
que bebem luz do céu diamantino.
Torno a lembrar-te, campo desolado,
a voltar ao curso daquelas horas.
Torno a ti com as plácidas auroras
ao recendo do tempo constelado.
Volto a ti e em silêncio te interrogo
se te lembras daquele tempo passado
ardendo ainda labaredas de fogo.
É do teu colo, ó terra, que vivemos
nosso pesado pranto com porfias
e das mãos tiramo-nos com agonias
o pão de pesadume que comemos;
Ainda ontem carne de ásperos ossários
que corre polo sangue e que mantemos
na olhada dos carvalhos centenários.
Que acaso em que brotou a maravilha
da fermosura aberta que comove
– coalhado tempo que na alma chove –
bate em nós com rigor e acovilha?
Zoscado coração pendente à morte
sempre a brincar em trágica partilha
jogando-nos a nós em cruel sorte.
Aquele cômbaro dondo em verdores
sempre prendido às pedras derrotadas,
aqueles sucos nas lindes cansadas,
aquelas murchas e pálidas flores,
as árvores onde brigaram gumes,
os caminhos contemplando os rigores
de labirintos de carros e estrumes.
É no equilíbrio da gris cinza e da erva
que abala o miolo de afastados ossos.
Indago em ti com olhos pressurosos
a benigna paz onde o amor se enerva.
Melancolia acesa na procura
da mais longa caminhada proterva
que busco deter eu, mas me perfura.
Sobre ti cravarei a dor inerte
desta soidade que juntada alcança.
Lhe darei um voo prendido na esperança,
raízes de quentura para ter-te,
pedaços dum amor engravidado,
monte de lágrimas que na alma aperte
esse tempo feliz atravessado.
(Do livro inédito: “Sonata dum quebrado violino”)
FOTO: Presa de Merra de abaixo. San Salvador de Parga.
AUTOR: Raul Rio