por Andre da Ponte | May 13, 2017 | Autores/as, Creación
Com Schubert ouço no mar, reclinada
a leve luz de franzidos ardores,
a vasta nudez de algas e rumores
como brilhar de nácares cercada.
Vai na redonda criação colmada
uma ampla arquitectura de tremores:
a morte assim engendra seus verdores
e a vida cumpre o ciclo desvelada.
Abanando, pois, a alma num suspiro
cheio de ti, salgado mar que guia,
no barulho de uma rouca largura
escuito, aqui, nos teus umbrais e miro
no teu tecer em infinita fia
a sombra cintilando a armadura.
[Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”]
Nota.- O autor recomenda escuitar Ständchen, da coleção póstuma de lieders Schwanengesang (O canto do cisne), D 954, do grande compositor Franz Schubert, entrementres se lè o soneto
https://youtu.be/tRMh9KCzoIQ
por Andre da Ponte | May 11, 2017 | Autores/as, Creación
Aquela noite, tão cálida e mística,
com suave perfume de narciso,
era um encanto dum eco impreciso
como de remota visão artística.
Caladinha, a lua cabalística
dissimulou, acanhada, o seu sorriso
nos ramos dum carvalho, de improviso,
com uma candura panteística.
E fora, então, num bico apaixonado,
que te rendi todo o meu amor aceso
que do meu coração foi libertado.
E fora, então que do teu peito opresso
germinou um suspiro doce, embalado
como um pássaro no ninho indefeso.
[Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”]
http://s48.radikal.ru/i119/1109/36/0944e12a81a3.jpg
por Andre da Ponte | May 10, 2017 | Autores/as, Creación
(Lembrança dum dia morno de julho na Branha)
Antes dos seus ardores,
antes de dar claridades à terra
deslumbrando candores
que a escuridade aferra
e, sumida a noite, em candidez cerra,
era sua voz amante,
namorada polo sol comovido.
Com rumor radiante
tomava o seu gemido
com o terno enxergar enternecido:
¬ Estremecida calma dos meus dias,
segura na avidez das minhas veias,
para vestir-me do ardor que chirleias
vem, alenta-me o odor das alegrias
e guarda as violetas que me trazias,
o vento soão que no val ateias,
que descanse nas tuas mãos sereias
a meiguice do dia que tecias.
Ufano no bosque acariciante
fica teu sono na noite amparado,
latido da tua pele fragante,
alinda lento o despertar do gado
convocado na tua olhada ansiante
e tornem flores as ervas do prado.
Raiara mais florido,
confiando todo o tremor interno
ao planeta de cores definido,
dando ao seio materno
o tíbio triunfo do canto eterno.
Do escuro e roxo forno
o pão nascido das mãos e dos fogos
dedica ao dia morno
os seus gozos e rogos
e surge no ar o anelo
lourecendo o voo do teu cabelo.
Dos ramos dos fieitos
onde o sol vai ficando entrelaçado,
emergem satisfeitos
no dia concentrado
todas as luzes dum céu abrilhantado.
Teus olhos, namorada,
luzindo tepidamente as soidades.
Com a voz desmaiada
por invariantes honestidades,
cantam assim suas fidelidades:
¬ Agora, quando aurora se levanta
ama-me com tua olhada, meu amado,
recolhe-me o cabelo com cuidado
e dá-me um bico denso na garganta.
Agora, quando o passarinho canta,
demora-te um pouco mais ao meu lado
e cinge-me pra estar no teu costado
que em ti tersa minha alma se agiganta.
Não vês que o mundo todo fica mudo
quando a minha fala para ti soa
e meu coração encontra-se desnudo?
Não vês que a minha pele te apregoa
quando me olham teus olhos de veludo
e todo o meu ser a ti se agrilhoa?
Chegava o meio-dia
e até o ar era pomposo e brilhante,
o mundo era algaravia,
um piar latejante
e a terra sinfonia concertante.
As vacas dando o rabo,
as abelhas libando entre os lírios,
calmaria sem cabo,
trigos como círios
e os cirros seguindo seus delírios,
pola sombria senda
vão se resguardando os olhos da amada
sem que sequer acenda
a palavra varada
da ternura ébria da mirada:
¬ Nem o lírio, nem a açucena ou acanto
nem a rosada frente da aurora,
nem frescor da noite arrebatadora
têm, meu amado, todo o teu claro encanto.
As aves vão piando com teu canto
e tua fala carinhosa e sedutora
que semeia em minha alma me labora,
me cobre com silencioso espanto.
Desejo polos campos derramada
ver ascender as luzes que reclama,
o claror que marca tua pegada!
Ardendo irá na presença que inflama,
na esperança tanto tempo aguardada
sem lume, eternamente a minha chama.
Morre o dia calado
e aparecer a lua não se atreve
sobre o bosque e no prado
o vento está dourado
e ainda o lento orvalho é muito leve.
Atendem tua chamada,
que é, na tardinha, teu brando arrolo,
as vacas. A Branha fica isolada
na soidade do solo.
Canto, quase dolente, ao teu consolo:
¬ O tempo, valor da clara harmonia,
ficou parado neste curto instante,
nunca a minha alma tão fragrante
sentiu o perfume do frescor do dia.
Nunca o sol-pôr trouxe com tal porfia
a ânsia de te bicar constante,
luz em flor, em aroma cativante,
cálido tremor, força de alegria.
Deixa passar o tempo. Fecha o esqueço
que é no teu alento pura esperança
e goza o lento fragor do meu apreço.
Apenas és, meu bem, pra mim gabança.
A noite cai. Meu coração ofereço
em cálice de bem-aventurança.
[Do livro inédito “Sonata dum quebrado violino”]
https://us.123rf.com/450wm/gajus/gajus1409/gajus140900147/32092415-deserted-forest-track-through-lush-green-woodland-with-a-deer-and-a-dappled-sunlight-in-a-scenic-tra.jpg?ver=6https://us.123rf.com/450wm/gajus/gajus1409/gajus140900147/32092415-deserted-forest-track-through-lush-green-woodland-with-a-deer-and-a-dappled-sunlight-in-a-scenic-tra.jpg?ver=6