UM SONETO DE FRANCESCO PETRARCA TRADUZIDO PARA GALEGO-PORTUGUÊS
CCXCII
Os olhos que eu cantei tão vivamente,
e os braços, mãos e pés e o doce viso
que me tinham tão fora do meu siso
fazendo-me distinto da outra gente;
Os caracóis, puro ouro reluzente,
e o tão claro e angélico sorriso,
que tornavam o mundo um paraíso,
apenas já são pó que nada sente;
E, vivo ainda eu, sofro e desdenho,
pois fico sem o lume que amei tanto,
em grã fortuna e desarmado lenho.
Finda hoje aqui o meu amante canto:
seca está a fonte de que fui engenho
e a minha cítara mudada em pranto.
Francesco Petrarca (Arezzo, 20 de julho de 1304 – Arquià, 19 de julho de 1374)
Il Canzoniere Rerum vulgarium fragmenta
CCXCII
Gli occhi di ch’io parlai sí caldamente,
et le braccia et le mani et i piedi e ’l viso,
che m’avean sí da me stesso diviso,
et fatto singular da l’altra gente;
le crespe chiome d’òr puro lucente
e ’l lampeggiar de l’angelico riso,
che solean fare in terra un paradiso,
poca polvere son, che nulla sente.
Et io pur vivo, onde mi doglio et sdegno,
rimaso senza ’l lume ch’amai tanto,
in gran fortuna e ’n disarmato legno.
Or sia qui fine al mio amoroso canto:
secca è la vena de l’usato ingegno,
et la cetera mia rivolta in pianto.
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