ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XXVII)

Makhmud Darwish

محمود درويش

MUHAMMAD31

Acocorado nos braços de seu pai, é um pássaro temeroso
do inferno do céu: papai, ampara-me,
que saio voando, e as minhas asas são
pequenas demais para o vento… e está escuro.

Muhammad,
quer voltar a casa, não tem
bicicleta, também não tem uma camisa nova.
Quer se ir para fazer os trabalhos escolares
do quaderno de conjugação e gramática: leva-me
a casa, papá, que quero dispor a lição
e aniversários um por um…
na praia, sob a palmeira…
Que não se afaste tudo, que não se afaste…

Muhammad,
enfrenta-se a um exército, sem pedras nem
metralha, não escreve no muro: “A minha liberdade
não morrerá”, ainda não tem liberdade
para defender, nem um horizonte para a pomba
de Picasso. Nasce eternamente a criança
com o seu nome maldito.

Quantas vezes há renascer, criancinha
sem país, sem tempo para ser criança?
Onde sonhará se fica dormido…
se a terra é chaga e templo?

Muhammad,
olha a sua morte chegando inelutável, mas
lembra uma pantera que viu na televisão,
una grande pantera com uma pequena gazela encurralada; mas ao
cheirar de perto o leite
não se abalança,
como se o leite domara a fera da mata.
“Então -dize o raparigo- salvar-me-ei”.
E bota-se a chorar: “a minha vida é um esconderijo
no armário da cozinha de minha mãe, salvar-me-ei… abofé”.

Muhammad,
anjo pobre a curta distancia do
fuzil dum caçador de sangue frio. Um
por um a câmara espreita os movimentos do rapazinho,
que se funde com a sua imagem:
a sua cara, como a manhã, está clara,
claro o seu coração como una maçã,
claros os seus dez dedos como círios,
claro o orvalho nos seus calcões.
O seu caçador tinha que tê-lo pensado
duas vezes: deixar-no-ei até que saiba deletrear
essa Palestina sua sem se equivocar…
guardo-o em prenda
e já o matarei manhã, quando se revolte!

Muhammad,
um jesus pequeninho* dorme e sonha no
coração dum ícone
fabricado de cobre,
de madeira de oliveira,
e do espírito dum povo renovado.

Muhammad,
há mais sangue da que precisam os noticiários
e eles gostam dela: ascende já
para o sétimo céu,
Muhammad.

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31 Poema publicado no jornal al-Quds o 21 e o 22 de Outubro de 2000. Interpreta as conhecidas, terríveis e nojentas imagens do assassinato em 30 de Setembro de 2000, do meninho* Muhammad al-Durra, crivado a tiros polos* soldados sionistas nos braços de seu pai.