por martinho | Jul 10, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XIX)
Samih al-Qassim
سميح القاسم
Diário de Job
a gente dissera
que há ventos,
que há calhaus
e há, disseram,
uma semente
da que brota uma alma no rochedo
abrindo um caminho ao sol.
Que é o que acontecerá se acuitelo* com o meu punhal
a semente, a rocha e o sol?
Dizem que há ventos
e seixos
e raízes.
E que o desespero não será destruído!
Cantigas dos caminhos
Aprendi a não odiar
durante séculos,
mas me obrigaram
a brandir uma seta permanente
diante do rosto duma píton,
a empunhar uma espada de fogo
diante do rosto do Baal demente,
a transformar-me no Elias do século vinte.
Aprendi
durante séculos
a não proferir heresias,
hoje açoito os deuses
que estavam no meu coração,
os deuses que venderam o meu povo
no século vinte.
Aprendi
durante séculos
a não fechar a porta diante dos hóspedes,
mas um dia
abri os olhos
e vi roubadas as minhas ovelhas,
enforcada a companheira da minha vida
e nas costas de meu filho
sulcos de feridas.
Reconheci a traição dos hóspedes então.
Semeei meu umbral de minas e punhais
e jurei, no nome das cicatrizes,
que nenhum hóspede ultrapassaria meu alpendre
no século vinte.
Durante séculos
não fui mais do que poeta,
assíduo frequentador dos círculos místicos,
mas me transformei
num vulcão em revolta
no século vinte!
Final da disputa com um carcereiro
Da ínfima janela da minha pequena cela
enxergo árvores que me sorriem,
e terraços que a minha gente enche,
e janelas que choram e rezam
por mim.
Desde a janelinha da minha pequena cela
observo a tua imensa prisão.
Ainda permanece
O sangue de meus mais remotos antepassados
ainda corre em mim
e escuito* sempre
o rinchar* dos corcéis e o entrechocar das espadas.
Levo um sol na minha mão direita
e repito
nas encruzilhadas da noite
o canto da dor.
Bilhete para a viagem
Quando algum dia seja assassinado
no meu bolso achará o criminal
uns bilhetes de viagem:
Um para ir à paz,
para viajar aos campos e à chuva
e outro, para a consciência da humanidade.
Rogo-te que não desprezes os bilhetes,
meu caro assassino,
suplico-te que viajes…
Os meninhos de Rafah
No cantão da rua
e nos arrabaldes da cidade
meninhos com vastas histórias
empilhavam rimas de livros,
marcos de quadros e estacas de tendas
para construir uma barricada
que fechasse o passo à Escuridade.
Para todos os elegantes homens da ONU
Cavaleiros de todos os cantos
com gravatas a pleno meio-dia
e excitantes polêmicas!
Que é o que pintais, dizei-me, neste tempo?
http://palestine.assafir.com/Medias/Photos/2015/956×643/9f0787e4-e593-4cc8-b80e-951a55325add.jpg
(Pé da foto: O poeta Samif al-Qassim junto com outro poeta – desta vez genial que de aqui a pouco hei postar por extenso nesta Antologia, Makhmud Darwish)
por martinho | Jul 9, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XVIII)
Samih al-Qassim
سميح القاسم
Discurso no mercado do desemprego
Talvez perda — se desejares — a minha subsistência,
talvez as minhas roupas e o meu colchão venda,
talvez trabalhe na canteira como carregador ou como varredor,
Talvez no esterco procure os grãos.
Talvez fique despido e faminto
mas não me venderei,
ó inimigo do sol!
Resistirei
até a última palpitação de minhas veias.
Talvez espolies a derradeira polegada da minha terra.
Talvez aprisiones a minha mocidade.
Talvez roubes a herança de meus avôs,
os móveis,
os utensílios
e as jarras.
Talvez queimes os meus versos e os meus livros.
Talvez atires meu corpo aos cães.
Talvez espantos de terror levantes sobre a nossa aldeia.
Ó inimigo do sol!
Mas não me venderei
e até a última pulsação de minhas veias
Resistirei.
Talvez apagues todas as luzes da minha noite.
Talvez me prives da ternura de minha mãe.
Talvez adulteres a minha história.
Talvez ponhas disfarces para enganar os meus amigos.
Talvez valados e muralhas eleves ao meu redor.
Talvez me crucifiques um dia diante de espectáculos indignos,
mas não me venderei,
ó inimigo do sol!,
e até a última pulsação de minhas veias
resistirei.
Ó inimigo do sol,
o porto transborda de beleza… e de signos,
dornas* e alegrias,
clamores e manifestações,
cantos patrióticos estalam nas gargantas
e no horizonte… há velas
que desafiam o vento… a tempestade e franqueiam os obstáculos.
É o retorno de Ulisses
do mar das privações,
o regresso do sol… de meu povo exilado
e para os seus olhos
ó inimigo do sol.
Juro que não me venderei
E até a última pulsação de minhas veias
resistirei.
Resistirei.
Resistirei.
Hei-no gritar
Enquanto me restem algumas polegadas da minha terra,
enquanto me reste uma oliveira,
uma laranjeira,
um pouco… um pequeno bosque de cactos,
enquanto me restem as lembranças,
uma pequena biblioteca,
a foto dum avô… uma muradelha,
entrementes restem ao meu país palavras árabes
e as cantigas do povo,
enquanto durem manuscritos dos meus poemas
e os contos de Antar al-Absi:
“as guerras do Chamado nas comarcas de Roma e Pérsia”,
enquanto me restem olhos,
livros,
mãos,
enquanto me restem alentos
hei-no gritar frente do inimigo.
Hei-no gritar. Declaração de guerra
em nome dos homens livres,
operários, estudantes, poetas,
hei-no gritar… e que os bandulhos frouxos
e os inimigos do sol
se fartem do pão da vergonha.
Enquanto me restem alentos,
e alimento me restará
a minha palavra será pão e arma
nas mãos dos guerrilheiros.
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por martinho | Jul 4, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XVII)
Samih al-Qassim
سميح القاسم
Samih Al-Qassim nasceu em Zarqá, Transjordânia (actual Jordânia) em 11 de maio de 1939 onde o pai, capitão dos guardas de fronteira, estava de guarnição. Provém duma família de intelectuais e imãs drusos originários de Ramah. Cursos estudos secundários em Nazaré e mais tarde de filosofia e economia política em Moscovo, interrompidos para se consagrar à poesia. A sua actividade militante desenvolve-se, principalmente em jornais e revistas em língua árabe, al-Ittihad, al-Ghad e al-Jadid e dirige a editora Arabisque, redator-chefe do jornal Kull al-Arab (Todos os árabes) e presidente da União dos Escritores Árabes.
Pelas suas actividades foi várias vezes encarcerado, expulso do seu trabalho e posto em arresto domiciliário. É director da Fundação Popular das Artes em Haifa.
Entre a sua produção são de salientar Dammi ala kaffi (O meu sangue na palma da mão, 1967) e Rihlat a-saradib al-muhichat (Carta de viagem para o fundo das covas desertas, 1969).
Os lábios cortados
Ainda e todo
http://img.medi1tv.com/sameeh_qassim.jpg
por martinho | Jul 2, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XVI)
Salem Jubrán
سليم جبران
Salim Jubran nasceu em al-Buqai, aldeia da Galiléia superior, em 1941 e é cidadão israelense. Estudou na Universidade Haifa língua e literaturas inglesas. Ativista incansável pola causa do seu povo desde Rakah, escrevendo assiduamente nos jornais al-Ittihad e al-Ghad. Só um livro de poemas tem escrito: Poemas sem residência definida, 1970.
Salim Jubran, que mora em Nasra (Nazaré), é hoje um dos maiores poetas combatentes da Palestina no interior do Estado israelense.
O enforcado
Podiam-se ver, em algumas feiras de Israel,
joguetes que representavam um árabe enforcado
.
Mas não… não é na praça
onde agora se vendem… Não os procureis.
Que os vossos pequenos entendam.
Há muito que se esgotaram.
Ó espírito dos mortos
nos campos de concentração nazis!
Não é um judeu em Berlim
o homem enforcado.
É um árabe, como eu, do meu lugar,
que os vossos irmãos penduram…
Perdão… que colgam agora
as sombras nazis
em Sião.
Ai, almas dos mortos
nos presídios nazis!…
Se vocês soubessem!…
Se soubessem!…
https://www.knooznet.com/upload/06-2017/article/19113997_441220189581844_2276992815519814861_n.jpg
por martinho | Jul 2, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XV)
Fadwa Tuqán
فدوى طوقان
Cantigas para os comandos
Parto
O vento arrasta o pólen
e a terra nossa sacude-se de noite
nos tremores do parto.
A si próprio se engana o verdugo
quando conta a patranha da incapacidade,
a história da ruína e dos cascalhos.
Jovem manhã nossa!… Conta tu ao verdugo
como são os tremores do parto;
como nascem as margaridas
da dor da terra
e como se levanta a manhã
do cravo do sangue nas feridas.
Quando chove as más notícias
O vento nas montanhas trança o fumo
e através de carreiros de noite e trovoada
chove rochas e pedras:
Negras, na cinza,
na fumarada, negras.
Que chova como queiram essas rochas!
Que chova como desejem essas rochas!
O rio segue correndo para a sua desembocadura,
e passando a volta das sendas, na ampla distância,
aguarda a manhã.
Aguarda a manhã por nós.
Como é que nasce a cantiga
Apanhamos as cantigas
do teu cansado e derretido coração,
e sob o denso mar das da escuridão,
com amorosa luz,
holocaustos e incensos, a amassamos;
Colocamos nelas a força do seixo e da rocha.
Depois tornamo-las no teu limpo e puro coração,
ó povo combatente e tão sofrido!
Chega-me com seguir no teu colo
Mais não pido do que morrer acima dela,
ser enterrada nela;
do que dissolver com a grama, desaparecer,
e brotar como ervinha do seu chão
feita flor, com a que brinque
a mão dum meninho* criado no meu país.
Tudo quanto pido é permanecer no colo da minha terra:
Como pó, flor de laranjeira, erva…
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por martinho | Jul 2, 2018 | Autores/as, Creación, Literaria, Xeral
ANTOLOGIA POESIA PALESTINA MODERNA (XIV)
Fadwa Tuqán
فدوى طوقان
A liberdade do povo
repetem comigo:
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
Continuarei escrevendo seu nome quando combater:
Na terra, nos valados, nas portas,
frente das fendas das casas;
na mesquita e no altar da Virgem,
por todos os caminhos das herdades.
Por todos os outeiros, as ladeiras,
as ruas, as esquinas.
No cárcere e na câmara de torturas.
Na madeira das forcas.
Prosseguirei, sem embargo das cadeias,
apesar da destruição das casas,
Apesar da mordida das brasas,
a escrever o teu nome. Para olhar
como se vai espalhando pola* nossa pátria e medra,
e segue crescendo
sem se deter, até cobrir
cada polegada da sua húmida terra.
Até ver como uma vermelha liberdade abre todas as portas
enquanto fuge a noite
e esmaga a luz as hastes da névoa.
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
Voz da grande cólera que faz versos
Sob as balas, no meio das chamas
Voz que persigo apesar das correntes
Cujo avanço apresso, apesar da noite
E luto fazendo versos
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
E o rio sagrado e as pontes fazem versos
Liberdade!
O trovão, o redemoinho e a tormenta da minha pátria
Fazem versos comigo
Liberdade! Liberdade! Liberdade!
Continuarei luitando
E gravarei na terra, nos muros
Nas portas, nas janelas
No templo da virgem e nos mihrabs
Nos sulcos, nos relevos e nas rochas
Na prisão, na câmara de torturas, na forca
Apesar das correntes, apesar da destruição das casas
Apesar da mordida das brasas
Continuarei gravando teu nome
Até que a veja
Estender-se sobre minha pátria e crescer
Crescer, crescer
Até cobrir cada polegada de sua terra
Até que eu veja a liberdade vermelha abrir cada porta
A noite fugir e a luz destroçar as fortificações da névoa
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
O rio sagrado e as pontes fazem versos
Liberdade!
E as duas margens fazem versos
O trovão, o redemoinho e as tormentas de minha pátria
Fazem versos comigo
Liberdade! Liberdade! Liberdade!
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