BRISA MARINHA, poema de Stéphane Mallarmé en versión galego-portuguesa de André Da Ponte

STÉPHANE MALLARMÉ

1842 – 1898

            Étienne Mallarmé, conhecido como Stéphane Mallarmé, nasceu em Paris em 18 de março de 1842. O poeta perdeu a mãe quanto apenas tinha cinco anos com o que foi criado pola sua avó.

            Admirador de Théophile Gautier, Charles Baudelaire e Théodore de Banville, Stéphane Mallarmé publicou os seus primeiros versos em 1862. Professor de inglês por necessidade vital, foi nomeado professor desta língua em setembro de 1863 no colégio Tournon-sur-Rhône em Ardèche («que inclui as duas palavras às quais dediquei a minha vida: Art, Dèche») e permaneceu em Besançon e Avignon, antes de voltar a Paris em 1871. Foi então quando se juntou a autores como Paul Verlaine, Émile Zola, Catulle Mendès, ou Auguste de Villiers de L’Isle-Adam e artistas como Edouard Manet, que pintou o seu retrato em 1876.

            Encontrou-se com dificuldades no seu trabalho como professor (era escarnecido polos seus alunos), mas levou uma vida familiar pacífica, pontuada por dificuldades financeiras e um fundo pesar, especialmente pola morte de seu filho Anatole em 1879 aos oito anos de idade. Escreveu poemas extremamente elaborados e recebeu os seus amigos poetas e romancistas durante as terças-feiras na rua de Roma ou na sua casa de campo, em Valvins, perto de Fontainebleau, onde morreu em 9 de setembro de 1898 aos 56 anos de idade.

            Atraído pola estética da arte pola arte, colaborou no Parnasso Contemporâneo desde 1866. Com efeito, o primeiro fascículo do Parnasse Contemporaine contém dez dos seus poemas. [Quem ter curiosidade pode ler esta fulcral edição francesa nesta ligação:https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k199820].  A sua obra tornou-se um esforço colossal na busca por superar o seu sentimento de impotência ligado a um estado depressivo, na diligência da pura beleza que ao seu entender é só criação da arte: «o mundo é feito para fornecer um belo livro». Tentou levar a cabo uma obra ambiciosa que retrabalhará por muito tempo como mostra o seu magno poema inacabado Herodiades (1864-1887) ou A Tarde dum Fauno (1865-1876), da qual Claude Debussy irá compor uma das suas mais famosas obras sinfônicas em 1892-1894). Deste poema Paul Valéry tem escrito que é o mais grande poema já escrito por autor francês. Admirador de Edgar Allan Poe, traduziu O Corvo (1845), que foi publicado em 1875 com ilustrações de Edward Manet, e escreveu o célebre soneto ao Túmulo de Poe em 1876 que, traduzido por mim, pode ser lido em CulturaliaGZ aquí: http://culturaliagz.com/?s=Mallarm%C3%A9 .

            Em 1887, publicou uma edição dos seus poemas que mostram a sua pesquisa estilística, como o «Soneto en X» (em duas versões e que tentarei traduzir para colocar cá), ou o soneto em octosílabos «A renda é abolida». O ponto culminante dessa ambição do poema absoluto aparece no poema gráfico de 1897 «Um golpe de dados nunca abolirá o acaso». Essa busca por uma expressão densa em direção à pureza valeu-lhe, entretanto, desde o começo, o oprobrioso termo de hermético, intrincado, escuro, que permanece ligado à arte mallarmeana.

            A fama de Stéphane Mallarmé consolida-se ainda mais em 1884, quando Paul Verlaine inscreve-o na série de poetas malditos num longo escrito sobre Mallarmé (“Les Poètes maudits” teve uma segunda edição aumentada nesse mesmo ano e ainda uma terceira acrescentada e ilustrada em 1888) [pode se aceder ao texto nesta ligação: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k72580r], onde é descrito como o portador da modernidade e próximo das vanguardas na arte e na literatura. Foi reconhecido como mestre polas gerações poéticas mais jovens, de Henri de Regnier  até os simbolistas e Paul Valéry. Assim, empenhado num ambicioso trabalho poético (talvez por isso a sua obra mestra, Hérodiade, ficou sem poder ser acabada), Stéphane Mallarmé é iniciador na segunda metade do século XIX duma renovação da poesia que é culminação à vez que superação do simbolismo, cuja influência ainda se ressente nos poetas contemporâneos como Yves Bonnefoy (Tours, 24 de junho de 1923 ─ Paris, 1 de julho de 2016).

            Em 8 de setembro de 1898, Mallarmé sofreu um espasmo da laringe que não conseguiu curar. Na mesma noite, mandou numa carta para sua esposa e filha para serem destruidos os seus papéis e notas, declarando: «Não existe legado literário aí …», no mesmo proceder que teve o grande romancista Franz Kafka ou, entre nós, Rosalia de Castro. Na manhã seguinte, vítima da enfermidade,  morreu nos braços do seu médico, na presença de sua esposa e filha. Está enterrado ao lado de seu filho Anatole no cemitério de Samoreau, perto de Valvins.

            O texto do poema em francês foi tirado da edição “Poésies”, Bookking International, Paris, página 31.

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BRISA MARINHA

A carne é triste, ai! e eu li todos os livros.

Escapar! lá, fugir! Sinto que os pássaros são ébrios

De se abandonar à espuma e aos imensos céus!

Nada, nem os antigos jardins refletidos nos olhos

Vão impedir este coração se submergir no mar

Ó noites! nem a luminosidade deserta da minha lâmpada

No papel vazio que a brancura anseia

E nem a jovem amamentando seu filho.

Partirei! Vapor balançando teus mastros,

Ergue a âncora para uma exótica natureza!

Tédio, desculpe polas esperanças cruéis,

Ainda crê no supremo adeus dos lenços!

E, talvez, os mastros, convidando tempestades,

São daqueles que um vento faz romper-se sobre os naufrágios

Perdido, sem mastros, sem mastros ou ilhotas férteis …

Mas, oh meu coração, escuita o canto dos marinheiros!

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STÉPHANE MALLARMÉ
1842 – 1898

BRISE MARINE

La chair est triste, hélas ! et j’ai lu tous les livres.
Fuir ! là-bas fuir! Je sens que des oiseaux sont ivres
D’être parmi l’écume inconnue et les cieux !
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retiendra ce coeur qui dans la mer se trempe
Ô nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Lève l’ancre pour une exotique nature !

Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l’adieu suprême des mouchoirs !
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages,
Sont-ils de ceux qu’un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots …
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots !

Foto de Mallarmé na Rua Roma em 1894:

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ee/St%C3%A9phane_Mallarm%C3%A9_-_89_Rue_de_Rome_-_Anonyme_1894-95.jpg/1280px-St%C3%A9phane_Mallarm%C3%A9_-_89_Rue_de_Rome_-_Anonyme_1894-95.jpg
A TUMBA DE EDGAR POE, soneto de Stephan Mallarmé traducido ao galego por André Da Ponte

A TUMBA DE EDGAR POE, soneto de Stephan Mallarmé traducido ao galego por André Da Ponte

A TUMBA DE EDGAR POE

 

Como a Eternidade cabal o converte

Ergue-se o Poeta de estoque soltado

O seu siglo não conheceu amedrentado

Quanto que nessa voz tinha a morte alerte!

 

Eles, com torpe surpresa que a hidra adverte

Dar um sentido puro e mais alteado

Bradam com a voz cheia o feitiço tomado

No negro nascente que sem honra verte.

 

Do solo e a nuvem contrários, ó enlevo!

Se a ideia não dá para baixo-relevo

Da que a tumba de Poe orna deslumbrante;

 

Abatido bloco dum revês escuro

Que o grande granito seu terminal levante

Os negros voos esparsos no futuro.

 

LE TOMBEAU D’EDGAR POE

Tel qu’en Lui-même enfin l’éternité le change,
Le Poëte suscite avec un glaive nu
Son siècle épouvanté de n’avoir pas connu
Que la mort triomphait dans cette voix étrange!

Eux, comme un vil sursaut d’hydre oyant jadis l’ange
Donner un sens plus pur aux mots de la tribu
Proclamèrent très haut le sortilège bu
Dans le flot sans honneur de quelque noir mélange.

Du sol et de la nue hostiles, ô grief!
Si notre idée avec ne sculpte un bas-relief
Dont la tombe de Poe éblouissante s’orne

Calme bloc ici-bas chu d’un désastre obscur
Que ce granit du moins montre à jamais sa borne
Aux noirs vols du Blasphème épars dans le futur.

 

Stéphane Mallarmé, de verdadeiro nome Étienne Mallarmé, (Paris, 18 de março de 1842 – Valvins, comuna de Vulaines-sur-Seine, 9 de setembro de 1898).

 

Texto em francês apanhado da edição Stephane Mallarmé, Poésies, classiques français, Bookking International, Paris, 1993, página 81.

https://www.zendalibros.com/wp-content/uploads/2018/04/poemas-de-mallarme.jpg

VERSOS DOURADOS, de Gérard de Nerval, traducido ao galego-portugués por André Da Ponte

VERSOS DOURADOS DE GÉRARD DE NERVAL

         Gérard de Nerval, cujo verdadeiro nome foi Gérard Labrunie, nasceu em Paris em 22 de Maio de 1808. Nerval foi criado em Mortefontaine (em Valois) na propriedade de seu tio-avô por causa da ausência de seus pais (seu pai recebeu um posto médico no Grande Exército Napoleônico e sua mãe morreu em 1810). Em 1814, seu pai retornou à França e Gérard de Nerval ingressou no Charlemagne College, em Paris. Durante os seus estudos parisienses, interessou-se pola literatura alemã, da qual foi um excelente tradutor: com apenas vinte anos, traduziu o Fausto de Goethe. No rescaldo da “Batalha de Hernani”, durante o qual Nerval se coloca ao lado de Théophile Gautier, frequenta regularmente a boêmia parisiense e publica na década de 1830 os seus primeiros Odelettes. Em 1837,  apaixona-se por Jenny Colon que morrerá em 1842. Nerval viajou para o Oriente em 1843 por mais de doze meses. Por dez anos trabalhou em editoras e jornalismo. A partir de 1853, Nerval sofreu ataques de demência e repetidas estadias na clínica mental. Conhece alguns momentos lúcidos durante os quais escreve Sylvie, as Filhas do Fogo e as Chimères (1854). Em 25 de janeiro de 1855, foi encontrado pendurado num portão de ferro na Rua da Velha Lanterna (Rue de la Vieille Lanterne), hoje desaparecida, em Paris (atual Place du Châtelet).

         Les Chimères (As Quimeras) são um conjunto de doze sonetos: El Desdichado, Myrtho, Hórus, Anteros, Délfica, Diana, Cristo no monte das Oliveiras e Versos dourados (Cristo no monte das Oliveiras inclui, ele só, cinco sonetos, que podem ser lidos aqui: http://culturaliagz.com/?s=Cristo+no+monte+das+oliveiras). Parece que o número doze foi selecionado intencionalmente por Nerval, de acordo com o simbolismo bíblico das doze tribos de Israel ou, no Novo Testamento, identificado com os doze apóstolos que vão atrás de Jesús.

         As quimeras marcaram desde o seu aparecimento a história da poesia francesa pola linguagem desenvolvida e pola poderosa força poética emanada. Apesar da clareza da linguagem empregada polo grande poeta, o significado profundo dos poemas ainda fica escuro hoje. Muitos críticos e historiadores da literatura ainda estão estudando esses poemas para tentar descobrir a presença de supostas chaves, geralmente simbólicas ou esotéricas. Algumas dessas chaves são obviamente biográficas: El Desdichado (já postado em CulturaliaGZ (aqui: http://culturaliagz.com/?s=G%C3%A9rard+de+Nerval) refere-se a duas crises nervosas em Gerard de Nerval, Délfica mantém a memória da jovem inglesa que Nerval encontrou na Baía de Nápoles… A inspiração do poeta se colocou no sincretismo que sempre marcou o seu pensamento: grande leitor das obras esotéricas de alquimistas, o Iluminismo ou certos filósofos, alimentou uma intuição panteísta e mística que justifica no último poema na coleção, Versos dourados: Homem, pensador livre!… que é o poema que traduzimos aqui para galego-português para conhecimento e aproveitamento dos leitores.

         Ao ler a sua dedicação a Alexandre Dumas, parece que Nerval reivindica esse hermetismo. Escreveu que os poemas das quimeras “perderiam o seu encanto se fossem explicados, se fosse possível, concedam-me polo menos o mérito da expressão; A última loucura que me resta será acreditar em mim como poeta: cabe aos críticos curar-me”.

         Nerval transformou-se, deste jeito, no heraldo de Mallarmé e da estética surrealista.

         O poema foi tirado da edição “Les Filles du feu”, Michel Lévy frères, 1856 (página 298).

VERSOS DOURADOS

O que! tudo é sensível!

PITÁGORAS

Homem, livre pensador! Tu serás o só que pensa

neste universo onde a vida deslumbra em cada mente?

Tuas forças matém a liberdade obviamente,

Mas todos os teus conselhos o universo dispensa.

Enobrece no animal o espírito que fermenta:

Cada flor é a alma da Natureza florescente;

Um mistério de amor no metal dorme residente;

«Tudo é sensível!» E em teu ser grande se apresenta.

Suspeita, na parede cega, um olhar que te espia:

porque à própria matéria encontra-se um verbo unido…

e não te sirvas dela para uma rotina impia!

Quase sempre, no escuro, reside um Deus escondido;

E como um olho coberto por um veu é nascente,

Há sob casca de pedras uma alma pura crescente!

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VERS DORÉS

Eh quoi! tout est sensible!
PYTHAGORE

Homme, libre penseur ! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.

Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
« Tout est sensible ! » Et tout sur ton être est puissant.

Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
À la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!

Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et comme un œil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!

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