VERSOS DOURADOS, de Gérard de Nerval, traducido ao galego-portugués por André Da Ponte

VERSOS DOURADOS DE GÉRARD DE NERVAL

         Gérard de Nerval, cujo verdadeiro nome foi Gérard Labrunie, nasceu em Paris em 22 de Maio de 1808. Nerval foi criado em Mortefontaine (em Valois) na propriedade de seu tio-avô por causa da ausência de seus pais (seu pai recebeu um posto médico no Grande Exército Napoleônico e sua mãe morreu em 1810). Em 1814, seu pai retornou à França e Gérard de Nerval ingressou no Charlemagne College, em Paris. Durante os seus estudos parisienses, interessou-se pola literatura alemã, da qual foi um excelente tradutor: com apenas vinte anos, traduziu o Fausto de Goethe. No rescaldo da “Batalha de Hernani”, durante o qual Nerval se coloca ao lado de Théophile Gautier, frequenta regularmente a boêmia parisiense e publica na década de 1830 os seus primeiros Odelettes. Em 1837,  apaixona-se por Jenny Colon que morrerá em 1842. Nerval viajou para o Oriente em 1843 por mais de doze meses. Por dez anos trabalhou em editoras e jornalismo. A partir de 1853, Nerval sofreu ataques de demência e repetidas estadias na clínica mental. Conhece alguns momentos lúcidos durante os quais escreve Sylvie, as Filhas do Fogo e as Chimères (1854). Em 25 de janeiro de 1855, foi encontrado pendurado num portão de ferro na Rua da Velha Lanterna (Rue de la Vieille Lanterne), hoje desaparecida, em Paris (atual Place du Châtelet).

         Les Chimères (As Quimeras) são um conjunto de doze sonetos: El Desdichado, Myrtho, Hórus, Anteros, Délfica, Diana, Cristo no monte das Oliveiras e Versos dourados (Cristo no monte das Oliveiras inclui, ele só, cinco sonetos, que podem ser lidos aqui: http://culturaliagz.com/?s=Cristo+no+monte+das+oliveiras). Parece que o número doze foi selecionado intencionalmente por Nerval, de acordo com o simbolismo bíblico das doze tribos de Israel ou, no Novo Testamento, identificado com os doze apóstolos que vão atrás de Jesús.

         As quimeras marcaram desde o seu aparecimento a história da poesia francesa pola linguagem desenvolvida e pola poderosa força poética emanada. Apesar da clareza da linguagem empregada polo grande poeta, o significado profundo dos poemas ainda fica escuro hoje. Muitos críticos e historiadores da literatura ainda estão estudando esses poemas para tentar descobrir a presença de supostas chaves, geralmente simbólicas ou esotéricas. Algumas dessas chaves são obviamente biográficas: El Desdichado (já postado em CulturaliaGZ (aqui: http://culturaliagz.com/?s=G%C3%A9rard+de+Nerval) refere-se a duas crises nervosas em Gerard de Nerval, Délfica mantém a memória da jovem inglesa que Nerval encontrou na Baía de Nápoles… A inspiração do poeta se colocou no sincretismo que sempre marcou o seu pensamento: grande leitor das obras esotéricas de alquimistas, o Iluminismo ou certos filósofos, alimentou uma intuição panteísta e mística que justifica no último poema na coleção, Versos dourados: Homem, pensador livre!… que é o poema que traduzimos aqui para galego-português para conhecimento e aproveitamento dos leitores.

         Ao ler a sua dedicação a Alexandre Dumas, parece que Nerval reivindica esse hermetismo. Escreveu que os poemas das quimeras “perderiam o seu encanto se fossem explicados, se fosse possível, concedam-me polo menos o mérito da expressão; A última loucura que me resta será acreditar em mim como poeta: cabe aos críticos curar-me”.

         Nerval transformou-se, deste jeito, no heraldo de Mallarmé e da estética surrealista.

         O poema foi tirado da edição “Les Filles du feu”, Michel Lévy frères, 1856 (página 298).

VERSOS DOURADOS

O que! tudo é sensível!

PITÁGORAS

Homem, livre pensador! Tu serás o só que pensa

neste universo onde a vida deslumbra em cada mente?

Tuas forças matém a liberdade obviamente,

Mas todos os teus conselhos o universo dispensa.

Enobrece no animal o espírito que fermenta:

Cada flor é a alma da Natureza florescente;

Um mistério de amor no metal dorme residente;

«Tudo é sensível!» E em teu ser grande se apresenta.

Suspeita, na parede cega, um olhar que te espia:

porque à própria matéria encontra-se um verbo unido…

e não te sirvas dela para uma rotina impia!

Quase sempre, no escuro, reside um Deus escondido;

E como um olho coberto por um veu é nascente,

Há sob casca de pedras uma alma pura crescente!

:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

VERS DORÉS

Eh quoi! tout est sensible!
PYTHAGORE

Homme, libre penseur ! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.

Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
« Tout est sensible ! » Et tout sur ton être est puissant.

Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
À la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!

Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et comme un œil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!

http://www.escritopara.es/blog/wp-content/uploads/2013/02/gerard_nerval.jpg
EL DESDICHADO de Gérard de Nerval, traducido ao galego por André Da Ponte

EL DESDICHADO de Gérard de Nerval, traducido ao galego por André Da Ponte

UM SONETO TRADUZIDO DE GÉRARD DE NERVAL E ALGUMAS NOTAS SOBRE O POEMA E O POETA FRANCÊS..

.

O soneto que hoje coloco perante vós é um dos mais celebrados das letras francesas e, também, um dos mais enigmáticos a começar polo próprio título.

Deste poema tão louvado existem dous manuscritos. Um deles é o chamado Lombard e foi o que enviou o poeta a Alexandre Dumas, junto com uma carta quando estava atacado por um abcesso de loucura em 1853. Este texto é o que usou o romancista para reproduzi-lo no seu artigo sobre Nerval publicado em Le Mousquetaire em 10 de dezembro de 1853 constituindo, assim, a primeira edição do soneto. É a este artigo ao que contesta Nerval na dedicatória de Les Filles du feu (As Filhas do fogo).

Vale a pena dizer algo em volta desse artigo de Dumas. Em 1841 o jornalista e amigo de Nerval Jules Janin escrevera uma nota necrológica sobre o poeta. Durante a crise de loucura de Nerval, em 1853, Alexandre Dumas publicou o artigo que temos mencionado onde, talvez com as melhores das intenções, embora um tanto alegremente, revelava ao público a precariedade da saúde mental do poeta. Nerval sempre teve um grande empenho em ocultar e justificar as suas crises de loucura, que na sua opinião, desacreditavam-no perante o público leitor, e esse artigo dum dos seus mais velhos amigos feriu-o profundamente.

Les Filles du feu, molho de contos e poemas vão aparecer em janeiro de 1854, quando Nerval estava internado na clínica do doutor Émile Blanche em Passy. Trata-se de oito contos longos (Angélique, Sylvie,Chansons et légendes du Valois, Jemmy, Octavie, Isis, Corilla, Emilie) e braçado de doce sonetos, Les Chimères (As Quimeras). No prólogo aproveita para acrescentar um prólogo de resposta a Dumas onde justapunha um texto já publicado, apresentando o projeto dum romance, Le Roman tragique (O Romance trágico) que queria ser uma contrapartida do Roman comique (Romance cômico) de Scarron, mas nunca, de que se saiba, chegou a escrevê-lo.

Porém, deixando isto e indo para o soneto, digamos que há um segundo manuscrito que é chamado Éluard (porque pertenceu ao poeta Paul Éluard), que foi o que usou para a impressão de As Filhas do Fogo. Este manuscrito tem várias notas da mão de Nerval que depois havemos de mencionar.

O texto de Lombard vai acompanhado – igual que o Éluard – do poema Artémis em duas folhas numeradas 2 e 3 e conserva-se junto com uma carta de três páginas que leva por título: La carte du Diable (A carta do demo). Trata-se do Arcano XV do Tarot, que se pode relacionar com o signo zodiacal dos Gêmeos, que é o de Nerval. Até mesmo alguns críticos têm assinalado alusões ao Tarot no texto deste soneto.

O título está em espanhol no original. Todos os comentaristas coincidem que Nerval apanhou-o do romance Ivanhoe de Walter Scott (capítulo VIII). Também, unanimemente, todos eles repetem que essa palavra significa “desditado” (Desinherited em Scott) e, por outro lado, Paul Bénichou tem demostrado que essa palavra em espanhol nunca significou o que escreveu o romancista inglês. Cabe a dúvida se Scott deu com certeza essa tradução. No capítulo VIII de Ivanhoe pode se entender que é o conjunto do debuxo do escudo – um carvalho desarraigado e o lema El Desdichado – o que vem significar o deserdado, e não diretamente essa palavra com a acepção que tem em espanhol. E no capítulo XII, quando a multidão brada “Desditado! Desditado!”, Scott acrescenta precavidamente: “cuja palavra de ordem apanhavam do lema que levava o escudo do seu coudel.

No manuscrito Éluard o título é “A sina”.

VERSO 2: “Príncipe de Aquitânia” alude a uma das fantasias genealógicas de Nerval, que fazia derivar seu sobrenome (Labrunie) da Torre de Labrunie na Aquitânia e pretendia descer dum nobre dessa região.

VERSO 4: Há uma muito provável alusão ao célebre grabado A melancolia de Albrecht Dürer (Nuremberga, 21 de março de 1471 – Nuremberga, 6 de abril de 1528) que Nerval admirava.

VERSO 6: O Prausílipo é um lugar perto a Nápoles do que Nerval fez um dos seus símbolos obsessivos. Pola sua etimologia significa “cesse da dor”, que é uma alusão à morte. Por estar perto ao Vesúvio, o poeta associa-o com o fogo subterrâneo, um outro símbolo da sua mitologia pessoal. Além disto, perto dele acha-se o suposto túmulo de Virgílio, que encarna para Nerval todo o paganismo e o seu mistério, numa síntese de cultos ocidentais e orientais que anuncia o sincretismo mítico religioso do próprio Nerval. Finalmente, a região napolitana evoca sempre para o poeta o culto a Ísis (Ísis está em As Filhas do fogo), em que via não apenas o culto da Mulher (mãe e amante), embora o exemplo excelso dessa contaminação dos cultos e da unidade, sob diversas formas, das mesmas divindades, proba da unidade de toda a experiência religiosa da humanidade.

VERSO 8: Há no manuscrito Éluard uma nota de Nerval: Jardim do Vaticano, que ajuda a compreendê-lo como a imagem da união de paganismo e cristianismo.

VERSO 9: Amor é aqui o nome próprio: o deus romano; Febo está escrito à latina no manuscrito (Phoebus), o que é talvez alusão a Gaston Phoebus, uma das identidades imaginárias de Nerval; Lusignan é uma personagem histórica sobre o que se formou na Idade Média a lenda de Melusina, mulher serpe namorada deste personagem e que desaparece com um grito quando o amado, quebrando a promessa de não espreitá-la, surprende-a na sua forma de cobra (a etimologia de Melusina semelha ser Mère des Lusignans (Mãe dos Lusignans), passando por Merlusignans e Merlusine. Quanto o que diz de Biron, há um personagem de Shakespeare e vários nomes históricos com esse nome. Segundo Jean-Luc Steinmetz (Edições da Pléiade, 1993), trata-se do duque de Biron, almirante de Henrique IV decepado ao ser acusado de traição; em qualquer caso parece fazer parelha com Lusignan (ambos humanos), como Amor com Febo (deuses ambos), e simbolizar o amante da rainha como Lusignan o amante da sereia.

VERSO 10: Nota de Nerval no manuscrito Éluard: “Rainha Candacia”, nome genérico das rainhas de Etiópia. Alude então a Balkis, rainha de Sabá, outra personagem central na mitologia nervaliana.

VERSO 12: Refere, quase com total certeza, as crises de loucura (reduzidas no verso a duas), que Nerval comparou várias vezes com descensos para os infernos, e das que até então saíra triunfante (como Orfeu, mencionado no verso seguinte).

VERSO 14: Nota de Nerval à palavra Fada, no manuscrito Éluard: “Melusina ou Manto”; “fada” está usado, então, mais no sentido de feiticeira do que no sentido mais janota e hoje mais frequente.

O autor de Les Chimères (As Quimeras), apenas doze sonetos que lhe valeram a imortalidade, atravessado por uma doença fatal deixou o 24 de janeiro de 1855 uma nota para a sua tia: “Quando eu tenha triunfado de todo, terás o teu lugar no meu Olimpo, como eu tenho o meu lugar na tua casa”. Ao dia seguinte deambula por um Paris glacial, tenta conseguir dinheiro, ceia no mercado, perde-se na noite. Ao amanhecer topam-no pendurado numa sórdida ruela (hoje desaparecida) do velho Paris.

.

.

.

EL DESDICHADO

Eu sou o Tenebroso, – o Viúvo, – o Inconsolado

Príncipe de Aquitânia da Torre abolida:

Minha só Estrela morreu, – e meu laúde constelado

Porta em si o Sol negro da Melancolia.

Na Cova noturna, Tu que me tens consolado,

Devolve-me o Pausílipo e o mar da Italia,

A flor que gostava a meu peito desolado,

E a parra onde o Bacelo à Rosa se alia.

Sou eu Amor ou o Febo?… Lusignan ou Biron?

Minha frente enrubesce do beijo da Rainha;

Sonhei na Gruta onde a Sereia nada…

Duas vezes transpus o Aqueronte vencedor:

Modulando por vezes de Orfeu na lira

Os suspiros da Santa e os gritos da Fada.

Gérard de Nerval ( Paris, 22 de maio de 1808 – Paris, 25 de janeiro de 1855)

[A tradução está feita desde o texto publicado em “Une forêt de symboles. Une petite anthologie littéraire”, Les Éditions du Carrousel, Paris, 1999, página 316]

EL DESDICHADO

 

Je suis le Ténébreux, – le Veuf, – l’Inconsolé,
Le Prince d’Aquitaine à la Tour abolie :
Ma seule
Etoile est morte, – et mon luth constellé
Porte le
Soleil noir de la Mélancolie.

Dans la nuit du Tombeau, Toi qui m’as consolé,
Rends-moi le Pausilippe et la mer d’Italie,
La
fleur qui plaisait tant à mon coeur désolé,
Et la treille où le Pampre à la Rose s’allie.

Suis-je Amour ou Phébus ?… Lusignan ou Biron ?
Mon front est rouge encor du baiser de la Reine ;
J’ai rêvé dans la Grotte où nage la sirène…

Et j’ai deux fois vainqueur traversé l’Achéron :
Modulant tour à tour sur la lyre d’Orphée
Lers de ls soupia Sainte et les cris de la Fée.

Gérad de Nerval

Gustave Doré, A rua da Velha Lanterna. O Suicídio de Gérard de Neval. Litografia sobre papel em branco e negro de 1855.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d1/Gustave_Dor%C3%A9%2C_La_Rue_de_la_Vieille_Lanterne_The_Suicide_of_G%C3%A9rard_de_Nerval%2C_1855.jpg

CRISTO NO MONTE DAS OLVEIRAS de Gérard De Nerval (5)

CRISTO NO MONTE DAS OLVEIRAS de Gérard De Nerval (5)

DAS MINHAS TRADUÇÕES
TRADUÇÃO DO QUINTO E ÚLTIMO SONETO DE “CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS” DE GÉRARD DE NERVAL

V

Era ele o louco, o sublime enagenado…

O esquecido Ícaro que aos céus se aproxima,

O Fáeton perdido polos deuses tocado,

Este belo Atis que Cibeles reanima!

 

O augure escrutava o costado da vitima,

Com seu sangue embriagava a terra em paroxismo…

O universo todo sobre os eixos pendia

E o Olimpo um instante vacilou para o abismo.

 

«Respondei! Gritou César a Júpiter Amom,

Quem é este novo deus que se impõe sobre a terra?

E se não é um deus, acaso uma maldição…»

 

Mas o oráculo invocado o auspicio encerra;

Só ele explicar pode a misteriosa chama:

Aquele que deu sua alma polos filhos da lama.

 

 

[Tradução segundo a edição de Les Chimères de Michel Lévy frères, 1856]

V

C’était bien lui, ce fou, cet insensé sublime…

Cet Icare oublié qui remontait les cieux,

Ce Phaéton perdu sous la foudre des dieux,

Ce bel Atys meurtri que Cybèle ranime!

 

L’augure interrogeait le flanc de la victime,

La terre s’enivrait de ce sang précieux…

L’univers étourdi penchait sur ses essieux,

Et l’Olympe un instant chancela vers l’abîme.

 

“Réponds! criait César à Jupiter Ammon,

Quel est ce nouveau dieu qu’on impose à la terre?

Et si ce n’est un dieu, c’est au moins un démon…”

 

Mais l’oracle invoqué pour jamais dut se taire;

Un seul pouvait au monde expliquer ce mystère:

-Celui qui donna l’âme aux enfants du llllimon.

 

CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS. ÓLEO SOBRE TELA DE ANTON RAPHAEL MENGS (1769) 185 x 185 cm.

http://www.epdlp.com/fotos/mengs8.jpg

CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS de Gérard De Nerval (4)

CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS de Gérard De Nerval (4)

DAS MINHAS TRADUÇÕES
TRADUÇÃO DO QUARTO SONETO DE “CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS” DE GÉRARD DE NERVAL

 

IV

Ninguém gemer ouvia à eterna vitima,

Que ao mundo em vão of´rece seu coração volcado;

Mas já desfalecente e sem força dobrado,

Chamou por fim ao último – que velava em Solima:

 

«Judas!, diXO, sabes em quanto se me dirime,

Vai logo me vender e teu negócio ultima:

Estou doente, amigo! A terra me lastima…

Vai! Ó tu que, pelo menos, tens a força do crime!»

 

Mas Judas se afastava, molesto e pensativo,

Achando-se mal pago, e com remorsos vivo

Que em toda a parte a culpa escrita encontrava.

 

Por fim Pilatos só, que por César velava,

Sentindo alguma lástima, tornou-se despetivo:

«Buscai, pois esse louco!», com força ordenava.

 

[Tradução segundo a edição de Les Chimères de Michel Lévy frères, 1856]

IV

Nul n’entendait gémir l’éternelle victime,
Livrant au monde en vain tout son cœur épanché ;

Mais prêt à défaillir et sans force penché,
Il appela le seul— éveillé dans Solyme :

« Judas ! lui cria-t-il, tu sais ce qu’on m’estime,
Hâte-toi de me vendre, et finis ce marché :
Je suis souffrant, ami ! sur la terre couché…
Viens ! ô toi qui, du moins, as la force du crime ! »

Mais Judas s’en allait, mécontent et pensif,
Se trouvant mal payé, plein d’un remords si vif
Qu’il lisait ses noirceurs sur tous les murs écrites…

Enfin Pilate seul, qui veillait pour César,
Sentant quelque pitié, se tourna par hasard :
« Allez chercher ce fou ! » dit-il aux satellites

 

Cristo no Monte das Oliveiras. Pintura de Giovanni Bellini (Veneza, em volta de 1430 – Veneza, 1516)

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/Giovanni_Bellini_-_Orazione_nell%27orto.jpg/1280px-Giovanni_Bellini_-_Orazione_nell%27orto.jpg

CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS de Gérard De Nerval (3)

CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS de Gérard De Nerval (3)

DAS MINHAS TRADUÇÕES
TRADUÇÃO DO TERCEIRO SONETO DE “CRISTO NO MONTE DAS OLIVEIRAS” DE GÉRARD DE NERVAL

 

III

«Ó! Imóvel Destino, sentinela silente,

Fria Necessidade!… Fadário que te integras

Sob a neve eterna das esferas negras,

E o desmaiado cosmos enfrias lentamente,

 

»Sabes bem o que fazes, potência original,

De teus fantasmais sois, que entre si se desfazem…

Estás certo em transmitires o teu alento imortal,

Entre um mundo que morre e os outros que renascem?…

 

»Ó pai meu! És tu que sento dentro da minha carne?

Tens poder de vida acaso e de ressuscitar-me?

Ou talvez sucumbiste sob a força postrema

 

»Daquele anjo escuro que marcou o anátema?…

Pois me sento sozinho a chorar e a sofrer,

E se eu morro, ai de mim! É tudo vai morrer!

 

[Tradução segundo a edição de Les Chimères de Michel Lévy frères, 1856]

 

III

“Immobile Destin, muette sentinelle,
Froide Nécessité !… Hasard qui, t’avançant
Parmi les mondes morts sous la neige éternelle,
Refroidis, par degrés, l’univers pâlissant,

“Sais-tu ce que tu fais, puissance originelle,
De tes soleils éteints, l’un l’autre se froissant…
Es-tu sûr de transmettre une haleine immortelle,
Entre un monde qui meurt et l’autre renaissant ?…

“O mon père ! est-ce toi que je sens en moi-même ?
As-tu pouvoir de vivre et de vaincre la mort ?
Aurais-tu succombé sous un dernier effort

“De cet ange des nuits que frappa l’anathème ?…
Car je me sens tout seul à pleurer et souffrir,
Hélas ! et, si je meurs, c’est que tout va mourir

 

Rua da Velha Lanterna (Rue de la Vieille -Lanterne) onde se enforcou o poeta, segundo Edmond de Goncourt, 14 de dezembro de 1894, no Jornal de Edmond & Jules de Goncourt

http://belcikowski.org/ladormeuseblogue3/wp-content/uploads2012_2/goncourt_vieillelanterne.jpg